I
CADERNINHO DE POESIA
de Teresa Ferrer Passos / Teresa Bernardino (2º heterónimo )
Poemas publicados na Internet
(Blogue "Harmonia do Mundo") e em livros
CADERNINHO DE POESIA
de Teresa Ferrer Passos / Teresa Bernardino (2º heterónimo )
Poemas publicados na Internet
(Blogue "Harmonia do Mundo") e em livros
NASCER
A vida a soltar-se das amarras
como se fosse um Sol...
Nesse instante primeiro e derradeiro,
no choro grande e vago de nascer, foste menino.
E foste enfeitiçada onda de marés vivas,
foste a ternura da espuma,
foste, sem saber, praia de um novo tempo.
14/Janeiro/2016
Teresa Ferrer Passos
A MORTE DA ROSEIRA
O dia era cinza nas nuvens disformes
a agitarem as gotas de chuva sobre a roseira,
a pender de rosas de Santa Teresa do Menino Jesus.
De súbito, agitado senti o coração. Que acontecia?
Cheguei à janela. Vi três jardineiros
a chegarem junto da bela roseira.
Levavam a máquina de cortar e as mãos
com luvas de proteção. A camioneta ao lado,
com as bermas descaídas esperava a roseira
a respirar vida.
O som da máquina trovejou. Os ramos tombaram
nas mãos inclementes.
As rosas choravam as gotas perdidas da chuva piedosa.
Pétalas sepultavam-se no relvado vermelho de revolta.
Os troncos abraçavam ainda as rosas.
Estavam a ser sepultadas na estupidez
de ordens superiores, dos grandes senhores...
Corri a dizer-te. E tu gritaste. Parem!
E nós, prostrados, chorámos
abraçados. Depois, a máquina emudeceu.
Voltamos à janela. Havia ainda uns fracos troncos.
Com rosas!
Os três jardineiros tinham desaparecido.
E chorámos de novo. De alegria.
5 de Novembro de 2015
(22º aniversário do nosso noivado)
Teresa Ferrer Passos
NASCER
Nos laços intrincados em nós largos,
nasceste para desenrolar a vida.
Estava frio. Os teus dedinhos esticados
queriam desvanecer o desconforto.
O teu olhar, atento aos vidros da redoma,
pensava rompê-la. Nada te satisfazia ali.
Rumaste assim ao mar do Norte.
E o Norte começou a guiar-te, ouvindo
o grito infinito da tua voz chegando ao areal.
Foi no areal que o mar te desenhou um barquinho.
Logo zarpaste em busca de oceanos.
Uma manhã, viste a sombra de uma árvore.
Havia um denso nevoeiro.
Primeiro, tiveste medo,
mas com uma inesperada confiança,
olhaste de novo. Só estava ali a árvore.
Onde estariam os fabulosos mares?
Afinal, na tua frente, havia apenas o sinal
de uma impenetrável, imensa floresta.
14 de Janeiro de 2015
Teresa Ferrer Passos
NASCER DE NOVO
No apagado segredo dos instantes,
frente ao mar, o amor elevou-se.
E foi um rochedo desde esse encontro.
Na espera e na vontade
nascemos de novo.
E o mundo não pôde ser mais o mesmo.
29 de Outubro de 2014 (21 anos depois)
Teresa Ferrer
Passos
SOL NASCENTE
Num olhar negro, sem olhar, um café,
uma mesa entre livros com folhas de jardim,
uma hora a tremer de vento, uns dedos magros de sono,
um caminho estreito, uns troncos molhados de verde,
uma sombra, um banco de pedra...
A vir de longe, ouvi a tua voz a entoar um olhar novo,
e, em frente, parecia-me ver, obscuro, um Sol Nascente.
20/ Julho/2013
Teresa Ferrer Passos
BENDITO ESPOSO
Nas lágrimas derramadas,
reconheço a tua pureza bendita.
Nelas inscreves o pânico da
separação primeira,
na casa já a perder o
sentido...
Num hospital, vejo-te naquilo
em que ninguém repara.
Leio-te no fundo da tua
excelsa alma.
Como Deus conhece a generosidade
do teu amor em mim…
Como Deus conhece as tuas
trevas nas horas da tua doença…
Como Deus conhece a força do
teu amor, sempre a vencê-la!
Como um mar imenso em
turbilhão,
vejo irromper a tua paixão a
cada instante.
Conto agora dezoito anos da
nossa vida
em comum, numa comunhão tão
funda,
que não sei já o que significa
a palavra fim…
Lisboa, 28 de Julho de 2012
Teresa Ferrer Passos
MEMÓRIA DE ALPORTEL
Ali, ao crepúsculo, vibrava o
espaço numa sinfonia
Imensa. Os sons,
irreconhecíveis, prolongavam-se
Na minha alma cansada e
ansiando paz.
Ali, ao crepúsculo, o piar do
cuco tímido e choroso
Fazia-me pensar em todas as
solidões do mundo.
Mas, os sinos da igreja
desviavam-me o pensamento.
Ali, ao crepúsculo,
esquecia-me de mim,
Extasiada pelo colorido azul-róseo
do céu
A convocar-me a um cântico
novo ao criador.
Ali, ao crepúsculo, esvoaçavam
os pássaros
Com trinos rápidos, na
excitação pelo fim do dia.
E as árvores inclinavam-se às
verdes folhas paradas.
Ali, ao crepúsculo, via
passar, de súbito, a cegonha,
Pesada de esperança nas asas
ávidas de vida.
E, sem olhar para trás, rumava
ao alto ninho.
Ali, ao crepúsculo, descia à
terra o silêncio.
Então, frente à beleza do
cenário,
Parecia-me que, sem saber,
rezava.
15 de Julho de 2012
Teresa Ferrer Passos
RÉSTEA DE PAZ
As estevas
brancas e o joio
cresciam
lado a lado.
Entre
amores-perfeitos e estrelas-do-egipto
nada se
distinguia com nitidez.
De mãos
entrelaçadas, esperávamos
as horas
silenciosas do crepúsculo.
Inflamados
pelas cores azuladas das alcachofras,
esperávamos
a hora nova ou do nunca.
Depois,
pela janela larga e debruçada da casinha
Enquadrada
na serra enevoada,
víamos
crescer o sol,
de cansaço
prostrado aos nossos pés.
Abismados,
os nossos olhos sucumbiam naquela visão
procurando
ainda uma réstea de paz.
Firme como
no primeiro dia,
vimos o
sol brincar às escondidas
com os
contorcidos troncos
e as
folhinhas da velha oliveira.
Como a
sorver uma grande paz,
desvendámos
aqui o segredo da vida:
verdes
rebentos brotavam, com audácia,
da sua
escavada carcaça,
inquebrantáveis
de força!
S. Brás de Alportel, 1 de
Julho de 2012
Teresa
Ferrer Passos
PLANÍCIE DE AMOR
Olhei a
planície plantada de papoilas.
Era um
campo vermelho e nele te encontrei.
Estavas num
campo duro e agreste.
Foi nele
que o nosso amor cresceu,
cresceu
como as papoilas que vi a espraiarem-se
naquela
planície emudecida.
Tu, miravas
o campo com o vermelho do coração.
Eu, tocava
o vermelho com a ardência do espírito.
Apanhei uma
para te oferecer as pétalas
que
desfolhava nas minhas mãos transparentes.
Entre as
papoilas e o seu vermelho,
fomos, sem
o saber, «como anjos de Deus no céu»*.
E entre as
frágeis papoilas começámos a espelhar
os nossos
corações tão leves como as simples papoilas.
Sem
qualquer gesto, deixámos de nos distinguir delas
e
tornámo-nos um só naquela planície emudecida.
Aí, o nosso
amor cresceu e fortificou.
* Mt 22, 30
19 de
Fevereiro de 2012
Teresa Ferrer Passos
A FERNANDO
PESSOA
no meu
primeiro quintal
passava o
tempo sem espera
na espera
de crescer e descobrir
um sentir
novo, a brotar
do sol e do
céu e da terra pura
e de todas
as coisas que via sentindo,
ou apenas
sentia
e
descobria, no meu primeiro quintal.
Ou amanhã?
Lisboa,
13/Junho/2008
Teresa Ferrer Passos
TRONCO DE
AMOR
Um tronco
nu, jaz. Não sei se desceu do céu.
Vejo-o
desnudo, simples, a morrer como uma serpente
Ondulante e
sem vida,
E a
enrolar-se ainda no acaso temerário
No caminho
do encanto doce da paz.
Vejo o
tronco imóvel, na terra seca
Desistente
e insistindo no choro
Do
desespero. Alucinado. Jaz.
Não sei
porquê, mas parece-se comigo.
É um tronco
rijo, hirto, apagado.
Será uma
das minhas imagens
Rejeitadas
tantas vezes na infância indelével?
Sinto o
tronco gemente, com manobras das palavras
Que me
agridem como um ferro em brasa,
Me fazem
enlouquecer de espanto.
Escuto mil
e uma palavras inaudíveis
Engrinaldando-se
de sonhos curiosos,
E
inspirando-me uma pequena frase
Ouvida, em
surdina,
Nessa minha
infância triste,
Desfolhada
em pétalas.
As pétalas
de uma rosa branca
Que só eu
julgava conhecer.
Mas mais
alguém conhecia…
Não, não
fui só eu a conhecê-la.
Tu a
conhecias bem melhor.
Tu a
beijavas todos os dias,
Às matinas,
Ou sob a
luz frouxa do luar,
Tu a
conhecias
Desde o
tempo da eternidade distante,
Sem
história, sem amor e sem perdição
Anunciada.
Tu a
conhecias.
E eu
julgava poder anunciar-ta,
Um dia, à
tardinha, quase ao pôr-do-sol,
Como se
fosse uma carta toda escrita
Com a tinta
da história, do amor e da salvação.
4/Dezembro/2008
Teresa Ferrer Passos
O NATAL DO
MENINO JESUS
entre a
perseguição e a fuga, nasceste
Menino, tão
pequenino como qualquer mortal
entre a
rejeição e a dúvida, nasceste
Menino,
chorando a lágrima de uma divina missão
entre o
medo e a coragem, nasceste
Menino,
lendo já o livro que Teu Pai Te oferecera
entre o
deserto e a cidade do grande Templo, nasceste
Menino,
todo a pular para o mundo mesquinho do humano
entre o
pequeno planeta Terra e o gigantesco Universo, nasceste
Menino, a
mostrar o valor dos seres humanos tão pequenos
entre os
soberbos e os humildes, nasceste
Menino, a
espelhares a imagem do Pai de todos eles,
do Pai...
também Teu.
8/Dezembro/2008
Teresa Ferrer Passos
NO 50º
ANIVERSÁRIO DO TEU NASCIMENTO
“O templo de Deus é santo e esse templo sois vós”
Cor 3, 16-17
Num
impossível momento,
Entrei no
templo.
Lá dentro,
habitavas tu.
Na
magnífica morada,
Descobri o
teu rosto santo.
Eras tu,
guardado por um Deus
Santo.
Esperavas-me
liberto de amarras,
Pronto para
o amor maior do mundo.
E eu,
coberta da nudez do espírito,
Saltei para
o teu corpo envolto em santidade,
E não senti
frio, e não senti calor.
Aí fui eu,
aí não fui, aí descansei, aí adormeci.
No teu
templo santo, sem paredes ou muros,
Quis o
paraíso, quis o céu e a terra,
Quis todos
os planetas e os sóis e as galáxias sem fim.
Quis tudo,
para tudo te oferecer,
Só que tu
tinhas tudo isso no teu templo,
Porque tu
eras um templo de Deus.
Mas hoje,
hoje acordei frente ao teu corpo.
Estava
espantosamente sereno, cheio de paz!
Revestia
todo o templo santo que nos abençoa,
Hoje mais
do que nunca,
Porque hoje
é o dia dos teus anos!
E no fogo
do Espírito, sem mais nada,
Celebramos
na gruta escondida do teu templo
Magnífico,
esses primeiros cinquenta anos de vida.
Sigamos na
maravilhosa viagem desta barca em que
Navegamos
frente aos desafios da VIDA!
14 de
Janeiro de 2009
Teresa Ferrer Passos
É SEMPRE
SALVAÇÃO…
Nas redes
intermináveis do nosso amor,
Saltam os
peixes hirtos,
Os búzios
rígidos,
As conchas
secas.
Nas redes
intermináveis do nosso amor,
Ferem luzes
a sair de crustáceos aberrantes.
Fendem as
rochas os polvos atrozes
Raiando,
nas sombras,
Os
lobos-marinhos perdidos de si.
E, quebram
a nossa vontade os sonidos da mentira!
Nas redes
intermináveis do nosso amor,
Zombam de
nós as baleias estonteadas,
Silenciam-se,
cobardes, os velozes atuns,
Rompem as
ondas os tubarões, feridos de medo.
E todos, em
uníssono, soletram, com alegria: RUÍNAS!
Nas redes
intermináveis do nosso amor
Não vêem
que, mesmo nelas, mesmo só a boiar,
O nosso
amor é sempre salvação…
19 de
Fevereiro de 2009 (15 anos depois do dia do nosso casamento)
Teresa Ferrer Passos
II
Alguma Poesia Publicada em Livro
«A BODA» – OPUS 83*
de mansinho crescem
os sorrisos ténues
os mais simples sons
da boda do nosso amor…
insistir na tecla de mil e um afectos
dá-me a melodia forte
de todas as palavras
da boda do nosso amor…
nas vagas mais largas
há um mar revolto
e surgem tantas harmonias
da boda do nosso amor…
um ritmo novo e largo
uma nova vida
trazes alma e gesto
da boda do nosso amor…
a festa sem fim
os ímpetos selvagens
descobrimos em cada dia…
da boda do nosso amor…
* Poema inspirado na composição musical «A Boda» OPUS 83 de Jorge Salgueiro.
Fonte: Teresa Ferrer Passos e Fernando Henrique de Passos, Novo Álbum de Amor, Universitária Editora, 2005, Lisboa, p.113.
Fonte: Teresa Ferrer Passos e Fernando Henrique de Passos, Novo Álbum de Amor, Universitária Editora, 2005, Lisboa, p.113.
PROCURA
Procurar, procurar, mais procurar,
eis a senda que tracei na infância da minha infância.
Cinzelo, volume, desenho opaco
construído no azul, no negro do universo.
Azáfama ruidosa, intransponível,
construída na lentidão dos anos.
Tortura vertiginosa da idade,
jaz no cemitério do meu desejo,
jaz sem contornos, olvidada, submissa
nas vias sem regresso do meu destino!
Fonte: Teresa Bernardino, Asas no Poente, Lisboa, 1987, p. 24.
JÚPITER
Onde deixaste o calor da lava antiga
oh Júpiter planeta extasiado audácia
de silêncio finíssima poeira e areal?
Explodindo em partículas de carbono e hidrogénio
Foste cápsula de fogo farol ou caverna de falcão.
Agora és a pacata visão nas órbitas de teus satélites.
Imagem de juventude de anos aos milhões
ignoras o deus-tempo a falsa maquinação
de quiméricas origens ou amanhã de extinção.
Não tens tangentes nuvens no céu
chuva lamento florido campo mar pacífico.
És a gélida vivência-solidão entre astros semelhantes.
Em viagem sem regresso giras em redor de ti
não precisas de atmosferas de livros ou de palavras.
Teu gesto círculo veemente – é já vida totalmente.
Fonte: Teresa Bernardino, Universo, Lisboa, 1991, p. 17.
MULHER
Mastro solitário. Celestial nau.
Brisa refrescante. Rocha sem idade.
Braço repousante. Água transparente.
Fúria de viver. Turbilhão de cidade.
Relâmpago
no céu mais negro
corola
de papoila abandonada
fogo ardente
na eterna madrugada
grito estridente
na noite cerrada.
Arma vibrante
ramo possante
luz de farol
bosque compacto
pórtico de quartzo
rua de marfim
catedral sem fim
... folha verdejante a despontar.
Rectilínea janela para o mar
uma vela acesa
um dia claro
uma rosa formosa
dolorosa
sempre. A amar.
Fonte: Teresa Bernardino, Fragmentos-de-Sol, Lisboa, 1993, p. 21.
NA QUINTA DA PIEDADE O AMOR É
Na Quinta da Piedade
há uma orquestra de açucenas,
há grilos agitando-se no canto,
há a Cartuxa contemplativa ao lado.
Aqui, nasce o nada feito de crepúsculo,
um grão minúsculo é todo o tempo,
o amor cresce até à eternidade.
Há laranjais vestindo-se de almas novas,
cedros a desenhar fantásticas formas,
e o espírito abrange o vasto horizonte.
Vemos também ternura em cada vinhedo;
a paz mora nas estrelas da noite,
em mágicas nuvens constroem altares.
Mais do que tudo isto!
Aqui a vida não tem sombras nem idade.
o amor vive aqui,
precisamente aqui, na Quinta da Piedade.
Fonte: «Horizonte Luz», in Teresa Ferrer Passos e Fernando Henrique de Passos, Álbum de Amor, Universitária Editora, Lisboa, 1998, p. 96.
A JESUS
Entre as palhinhas deitado já sabes sorrir
Para os tristes para os puros e para os justos.
No momento de nascer cercado de animais...
A alegria dos gestos de um sonho de amor.
E sorriste… e sorriste como sorriste!
Anunciar o amor entre povos desavindos
Pequenino a sorrir!
E sorris… e sorris só a sonhar com o amor...
Amor Que palavra para oferecer a todos os seres
Com o sorriso mais fundo da vida
E a vida solta-se de ti com o amor lá inscrito
Fonte: «Odes para um Novo Presépio», in Teresa Ferrer Passos e Fernando Henrique de Passos, Retábulo, Universitária Editora, Lisboa, 2002, p. 27.
OITAVO ANIVERSÁRIO DE NOIVADO
Impossível dádiva a transportar
os anos de um anel sem qualquer idade
ou com uma idade sem números a desenhá-la
E todo ele se inspira num sonho e é maravilha
de sol-poente de flores e de maresia
Com a lucidez da música de Bach
soa com um grito a sua forma
feita de um silêncio de árvore
Eis a escultura de uma vida sóbria e infinita
Eis a pintura de um amor fundo e invisível.
Fonte: «Poema-Esposo», in Teresa Ferrer Passos e Fernando Henrique de Passos, Novo Álbum de Amor, Universitária Editora, Lisboa, 2005, p. 98.
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