segunda-feira, 29 de junho de 2015

Revelação das almas ou o teatro




«Chamo teatro estático àquele cujo enredo dramático não constitui acção - isto é, onde as figuras não só não agem, porque nem se deslocam nem dialogam sobre deslocarem-se, mas nem sequer têm sentidos capazes de produzir uma acção; onde não há conflito nem perfeito enredo. Dir-se-á que isto não é teatro. Creio que o é, porque creio que o teatro tende a teatro meramente lírico e que o enredo do teatro é, não a acção nem a progressão e consequência da acção - mas muito abrangentemente a revelação das almas através das palavras trocadas e a criação de situações» 

                                                        Fernando Pessoa


Do intróito à peça O Marinheiro de Fernando Pessoa,1913 (revista por ele mais tarde), (in Obra em Prosa de Fernando Pessoa - Ficção e Teatro, Public. Europa-América, L. B. E.A, nº 470 p.153).

quinta-feira, 25 de junho de 2015

Escrever, não escrever...

Gabriel García Marquez

«Nunca sei quanto vou poder escrever nem o que vou escrever. Espero que me ocorra alguma coisa e, quando me ocorre uma ideia que ache boa para a escrever, ponho-me a dar-lhe voltas na cabeça e deixo-a ir amadurecendo.

Quando a tenho terminada (e às vezes passam muitos anos, como no caso de Cem Anos de Solidão, que passei dezanove anos a pensar), quando a tenho terminada, repito, então sento-me a escrevê-la e é aí que começa a parte mais difícil e a que mais me aborrece.

Porque o mais delicioso da história é concebê-la, ir arredondando-a, dando-lhe voltas e mais voltas, de maneira que na altura de nos sentarmos a escrevê-la já não nos interessa muito, ou pelo menos a mim não me interessa muito; a ideia que dá voltas. »

Gabriel García Marquez (1927-2014), Eu não venho fazer um discurso

quarta-feira, 24 de junho de 2015

S. João Batista, o primeiro apóstolo de Jesus

A noite de S. João no Porto

«Nenhum dos Doze discípulos escolhidos por Jesus receberia tantos louvores Seus como João Batista. Esse que era «a voz que clama no deserto», que envergava como vestuário umas peles de camelo e se sustentava da frugal alimentação do deserto. Nenhum dos Doze, Jesus comparou a Elias, o profeta com mais prestígio na Palestina. Nenhum, Jesus elogiou como a João Batista. Nenhum, foi chorado por Jesus, na hora em que recebeu a notícia da sua prisão e, poucos meses depois, da sua condenação à morte. Uma amizade única nascera entre Jesus e o mais simples e sábio dos seus apóstolos, João Batista, apóstolo antes da Cruz e da Ressurreição. O maior «nascido de mulher», aquele que era «muito mais que um profeta», «o profeta do Altíssimo»: eis João Batista, a batizar no rio Jordão e a pregar o arrependimento para a conquista da eternidade do Homem»*

                                                              Teresa Ferrer Passos


* Excerto de uma palestra proferida pela autora (20/4/2015) no Centro de Espiritualidade e Cultura em Lisboa.

terça-feira, 23 de junho de 2015

A Parménides


Ficar parado ‒ imóvel até o pensamento ‒
Na contemplação magna do mistério
Da ilusão do movimento.

  22/6/2015
                            Fernando Henrique de Passos

segunda-feira, 22 de junho de 2015

«Só desse gesto ousado». Da Grécia frente à Europa, hoje...



Partenon, Atenas

«Doloroso é calar, aflige-me dizer
meu mal: de qualquer forma torturado sou.
Um dia, ao coração dos deuses foi bater
o ódio. E uma batalha acesa começou.
(...)
Logo que Zeus subiu ao trono paternal.
aos deuses distribuiu, conforme seu critério,
honras e privilégios, de uma forma tal,
que, sobre a hierarquia, bem firmasse o império.
Na pobre humanidade nem sequer pensou!...
Antes aniquilar sua raça imaginou,
para uma nova, então, a seu jeito, surgir.
Só eu - e ninguém mais - se opôs a tal projeto.
Só desse gesto ousado ao Homem pode vir
a salvação do golpe fulminante, abjecto,
que no Hades, fundo, em pó, o havia de engolfar.
Eis porque vergo no peso de uma dor assim -
tão triste de sofrer como de contemplar.
Tive dó dos mortais - ninguém tem dó de mim!
Pois bem! - o meu castigo, ignóbil, sem piedade,
trará desonra a Zeus - por toda a eternidade!»

Ésquilo (dramaturgo grego, sec.VI-V a.C.), Prometeu Agrilhoado

sexta-feira, 19 de junho de 2015

Num tempo esquisito...

Daniel Oliveira

«Deixamos de precisar de reconhecimento dos outros quando atingimos um determinado estatuto sobre o que somos e o que valemos; e não falo de estatuto social.»

«Não vivi atormentado com a ideia de querer ser alguém na vida. O sucesso e a fama são efémeros e absurdos, não valem nada»

«Tenho imenso orgulho de ser filho de quem sou. Nunca quereria ser o filho de. (...) Não quero que a minha filha seja alguma vez a filha de Daniel Oliveira»

«É uma conquista fundamental ao longo da adolescência que todos fazemos: maldizer os nossos pais, destruí-los, para ganhar autonomia. É isso que nos permite amá-los o resto da vida»

          Excertos de uma entrevista de Daniel Oliveira (jornalista, autor de A Década dos Psicopatas) à revista "Tabu" in jornal Sol de 12 de Junho de 2015.

sexta-feira, 12 de junho de 2015

Deus joga às escondidas?


Há ateus que dizem não conseguir perceber este Deus que “joga às escondidas” com o ser humano, ora revelando-se, ora ocultando-se, e nunca se revelando de forma suficientemente clara, quando o faz. Percebo esta queixa, pois sinto muitas vezes o mesmo. Mas recentemente interroguei-me: é Deus que se esconde de mim, ou sou eu que me escondo dele?

A história de Adão e Eva não é para ser levada à letra, já todos nós sabemos. Mesmo assim, talvez seja ‒ de muito longe ‒ o episódio mais importante do Antigo Testamento, aquele que encerra a explicação que todos nós procuramos para o mistério da existência humana, embora o faça de maneira alegórica, cabendo à nossa imaginação adivinhar o que está a ser representado nessa alegoria. Para o caso presente, interessa-me apenas reter um ponto: a vergonha dos dois após terem sido descobertos.

Será a minha congénita vergonha-não-sei-de-quê ‒ a vergonha com que todas as crianças nascem, e que alguns de nós nunca perdemos completamente, a vergonha que faz com que me esconda constantemente dentro de mim mesmo ‒ será essa vergonha a responsável por este sentimento de que Deus joga às escondidas comigo? Será que, do meu esconderijo, tão fundo me enterrei que só vejo a realidade através de camadas quase opacas de medos e sentimentos de culpa?

Talvez só tenha de me envergonhar desse esconderijo, onde me cerquei de lentes que torcem a realidade, amplificando coisas insignificantes e desvanecendo o que tem significado. Talvez Deus se me ofereça, desde sempre, num gesto largo, rasgado e inequívoco, do qual eu não me apercebo, no entanto, senão como um sinal velado, que atribuo mais à minha vontade de crer do que à realidade dos factos.

10/6/2015

Fernando Henrique de Passos

também em Terra Atípica,
neste blogue

quarta-feira, 10 de junho de 2015

Dia de Portugal, de Camões e das comunidades portuguesas


Nau no cais de Vila do Conde

CAMÕES


«(...) O mar entrou por ele dentro - e coube. Disso falam ainda os seus versos, com palavras eternas como as pirâmides. Tomou parte em guerras. Era português. Sofreu injustiças, ódios, erros próprios ou alheios, perseguições... e fome: Era o poeta maior da pátria. Também disso falam ainda os seus versos, com lágrimas que ainda hoje correm. Os seus versos falam de muita coisa! Quis vir morrer a Portugal, a quem trazia os Lusíadas. Quis escrever os Lusíadas - para que pelos séculos dos séculos todos os povos da terra soubessem da existência de Portugal. Morreu tão desgraçado, que ousou queixar-se de seus irmãos: Não mais, Musa, não mais... (...)»

                            José Régio (1901-1969) in revista Presença, nº 13, 13 de Junho de 1928.

domingo, 7 de junho de 2015

«Prelúdio» num dia do Corpo de Deus...



«Correm no campo as ondas das searas,
Fogem as nuvens da manhã
No Céu...
E alguém dá
Às searas
O pão que já lhes deu.

Abrem-se as portas dos casais
E a vida recomeça
Para o povo.
Como se fora, essa,
A mais
Pródiga manhã de um dia novo.

A terra chama o homem. Ele canta,
Canta na luta,
Até ao pôr do Sol.
Cada planta
O ouve e lhe dá a fruta
Ao estender os ramos para o Sol.

Como o rosto de um Deus belo e parado,
O Céu mostra-se calmo.
Na distância
Sinto eflúvios de um salmo
Quase meu. Calado,
Penso na minha infância.

- Visões de longe, formai ala
Ao longe... formai ala...

(Visões de longe formam ala
Ao longo de outro Céu.
E eu
Para que quero a vida
Senão para contá-la
A quem ma deu?)»

Poema inédito (escrito pelos dezanove anos) de Fernando de Paços (1923-2003)

quarta-feira, 3 de junho de 2015

O Tempo e a Eternidade

Alguém consegue imaginar um mundo onde reinasse uma total ausência de conflitos?

Não me refiro apenas a guerras e atentados terroristas. Refiro-me a qualquer tipo de conflitos ou atritos, como o conflito no restaurante porque o bife veio muito passado e nós tínhamos pedido mal passado, mas o empregado diz que eu pedi bem passado, “não pedi nada, o senhor é que percebeu mal”, “o senhor é que se deve ter enganado e disse bem passado quando estava a pensar em mal passado”, etc.

Refiro-me a uma espécie de “Paraíso Hippie”, onde só houvesse amor, paz, sorrisos, flores e borboletas. Dito assim, é tão doce que até enjoa, não é verdade? Precisamos de atritos na vida como precisamos de sal e pimenta na comida. Nem o mais guloso dos gulosos concebe a ideia de passar o resto dos seus dias a comer apenas bolas de Berlim, mel e mousse de chocolate. Temos de discutir por causa de qualquer coisa, nem que seja o futebol, ou a falta de gosto da Fulana para se vestir. Quer dizer, então, que não fomos feitos para o Paraíso?

(continua)

Fernando Henrique de Passos

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segunda-feira, 1 de junho de 2015

Carta ao Professor Maquinal

Caro Professor Maquinal

A nossa conversa telefónica de há dias[1] fez-me cair em mim e perceber que continuo seu adversário ‒ tão seu adversário como de todos os outros fundamentalismos religiosos. Repare que lhe chamo “fundamentalismo”, e não “fundamentalista”, porque não combato pessoas, apenas ideias e, na verdade, o senhor não passa de uma ideia criada por mim, pois não há nenhum materialista tão estúpido como o Professor Maquinal.

Pedir-lhe-ia desculpa de o ter chamado a uma existência tão breve e tão despida de sentido, não se desse o caso de o senhor parecer regozijar-se com a falta de sentido que julga descobrir na existência, o que o levará certamente a não lamentar o facto de a sua própria existência se reduzir à exiguidade de um telefonema e de uma carta. Como julgo conhecê-lo bem, presumo, no entanto, que não aprecie a inclusão que faço do seu nome no rol dos fundamentalismos religiosos, pelo que passo de seguida a justificar-me.

(continua)

Fernando Henrique de Passos

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