sábado, 30 de junho de 2012

Origens


Recortámos seres 
No tecido contínuo da existência.
E a nós, quem nos recortou?
Talvez nós mesmos,
Existindo também antes de ser.

30/6/2012

Fernando Henrique de Passos

terça-feira, 26 de junho de 2012

Metapoema

Se rasgar a folha onde escrevo este poema
Verei por baixo um jardim zoológico fantástico
Onde as palavras são espécies animais

Se rasgasse a folha onde escrevo este poema
As palavras viriam comer à minha mão

Mas como não rasgo a folha onde escrevo este poema
Não há senão a folha e a caneta
E o poema não sai da superfície de si mesmo

Lisboa, 25 de Junho de 2012

Mas eis que rasgo a folha onde escrevi este poema
E sou mordido por um verbo
E cercado por milhares de substantivos
E escrevo pelas brechas do papel
Penduro-lhe palavras como quem junta troféus
E rasgam-me as pernas e as mãos
Mas eu pairo acima dos abismos
Que se abrem por baixo dos meus pés
Degolo serpentes e macacos
Devoro palavras que vomito
Resisto à tentação da fita-cola
Resisto à tentação da fita-cola?


Lisboa, 25 de Junho de 2012

Fernando Henrique de Passos

domingo, 24 de junho de 2012

No centro do lado de fora



À procura da maneira certa de existir
À beira de um regato
Ouvindo o devir do verão
O estalar dos caules secos sob os pés
O vibrar contínuo das cigarras
Que encadeia instantes sem fronteira
Sobrepondo o antes o depois e o agora

Aqui



Se soubesse como fazer parte

Ali

Fora do sono e do torpor
Onde os outros conhecem sem saber
A maneira certa de existir



Aqui

Eu penso que o segredo está em ser-se menos

Aqui

Eu penso que o segredo está em estar-se mais

Aqui

Eu penso que penso mais do que devia

Acerca da maneira certa de existir



24/6/2012

Fernando Henrique de Passos

sábado, 23 de junho de 2012

Elegia para se ler dormindo


Esta solidão, eu mesmo a procurei,
Mas posso, ao revés, de perto, ouvi-la,
Como se fosse partitura de intimidade:
A soberana execução de certas horas.

Se, neste momento, eu perecesse,
A tudo e a todos, e ao meu próprio tronco,
Coisa pouca ainda me rimaria com seiva,
Pois à minha’alma não estranha a quieta relva.

Em noite de inverno, tudo se encolhe
Ao reino mineral, no silêncio das raízes.
Posso senti-las, latentes nos meus dedos,
Conscientes, no escuro pulsante dos desejos.

Os cães rejeitaram o doméstico agasalho.
Preferiram, lá fora, os montes de entulho.
E os meus caracóis prediletos? Mistério,
Mas, virão, sem ânsia e com mais idade.

Novos dias hão de ver. As chuvas são alhures.
Apenas foram advir, de se molhar em outros ares.
Elas são, assim, índole de idas e voltas,
Dança líquida, de tango com nevoeiros.

Ao meu lado, docemente alguém ressona.
Neste exato quarto, um sino seria incômodo.
Mas, uma doce campainha traz-me incenso,
Aroma de interior, de vento em copa de amendoeira.

Luiz Martins da Silva (Brasil)

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Pedofilia em questão


«Os abusadores sexuais dividem-se, na minha perspectiva, e na de muitos que foram obrigados a estudar sobre estas coisas, em dois grandes grupos: – os pedófilos e os que são apenas depravados.
Estes, os depravados, não são doentes, existem apenas pela sensação de impunidade que a lei, e a sociedade portuguesa no seu todo lhes assegura.
A ministra da Justiça tornou pública a decisão de alterar a lei penal, no que a estes dois tipos de predadores diz respeito, e desenvolver uma estratégia de prevenção que permita, segundo o grau de perigosidade, notificar escolas, famílias e instituições da presença, nas proximidades, de condenados por crimes deste género.»

Catalina Pestana, in Sol, 15/6/2012

sábado, 16 de junho de 2012

Que Língua Portuguesa?!


A propósito de
"As novas desgraças da língua portuguesa"
de Teolinda Gersão

Inacreditável que já estejamos a chegar a tal caterva de disparates nas aulas de língua portuguesa?!!! Será possível um corpo discente continuar a suportar o ensino e a aprendizagem de tantos conhecimentos inúteis e sobretudo prejudiciais?!!! Também não há ninguém no ministério da Educação que se aperceba destes aberrantes tecnicismos didácticos?! Quando se faz uma reflexão nas Faculdades de Letras deste país sobre um Acordo Ortográfico aprovado por um Governo, sem prévia e meditada discussão sobre os prós e os contras de algumas das leis ortográficas e gramaticais impostas? Quando é que o ensino abandona a lei do "decoranço" (tão criticada antes do 25/4) e passa à lei do deixar pensar e do deixar saber? Resta apelar à consciência cívica dos deputados da Assembleia da República para defender a Língua portuguesa deste atentado à sua dignidade de quase um milénio de História!!!

16 de Junho de 2012
Teresa Ferrer Passos

sexta-feira, 15 de junho de 2012

A massa em repouso do fotão


A luz parou dentro dos meus olhos,
A luz de mil jardins,
Verde sobre azul
Com riscos de água transparente.
Chamei a isto: instante,
Mas afinal a luz nunca parara,
Pois não existe tal coisa: luz imóvel.
E é talvez por isso que o tempo não pára de passar
E é talvez por isso que não há instantes
Excepto entre sombras na memória
Onde o nosso querer suspende as leis da física
E pode não ser nula a massa em repouso do fotão.

15/6/2012


Fernando Henrique de Passos

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Frente a uma imagem de Santo António






Nasci no dia do Irmão António, a recolher-se jovem ao deserto das vertigens da África mediterrânica. Ao lado da dor da saudade pátria, a panaceia da sua santa idade a vazar-se ali e a ser futuro na Itália, sem retorno. 

Nasci no dia do Santo António de Lisboa, como ele. Nesse dia em que, lembrei-me, minha mãe “celebrava o dia dos meus anos”. Nasci. E achei tudo o que a cercava bizarro. Procurei sair de imediato. Mas vi os seus olhos sedentos de mim. Tentei sorrir. Não fui capaz. Mirei-a. Com as lágrimas em torrente, meus olhos, mal abertos, viram as suas faces começarem a entristecer. Olhou o Santo, na paz da mesa de vinhático em frente ao berço. Orou, olhando-o. Fez um sinal enigmático sobre as minhas lágrimas. 

Precisamente, naquele “dia em que celebrava o dia dos meus anos”, com o espanto a brotar do meu corpo tão pequeno, esbocei, com esforço, um sorriso só para ela. Ninguém o viu. Nem mesmo minha mãe ou só o Santo? 




13 de Junho de 2012 (124 anos depois do nascimento de Fernando Pessoa) 

Teresa Ferrer Passos

domingo, 10 de junho de 2012

O Tecido dos Séculos

A luz da tarde torna-se indecisa. 
Do céu, por entre a chuva, tombam séculos
Que se esboroam no verde-cinza das colinas.
Pela janela do palácio abandonado
A única habitante vê relâmpagos
Que trazem reflexos dos dias já passados,
Dos dias que havia antes de haver antes.

(Se dormisse ela veria, a única habitante do palácio,
Dentro dos seus sonhos as cores de outrora,
Frágeis estilhaços da realidade.)

A luz da tarde morre e, já sem luz,
O tempo hesita entre o ser e o não-ser,
Entre o não-ter-fim e o nunca-ter-principiado.

(A léguas do palácio, um príncipe galopa,
Perdido na borrasca, no tempo e suas tramas,
Sem capa, espada ou esporas.
A muitas léguas mais, vulcões e pó de chamas
Dão vida ainda às horas.)

10/6/2012


Fernando Henrique de Passos

Problemas e soluções



"A vida é uma série de problemas. Queremos lamentá-los ou resolvê-los? Queremos ensinar os nossos filhos e educandos a resolvê-los ou a arrastá-los?"
M. Scott Peck

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Drama no Sinai

DRAMA NO SINAI



«O “drama do Sinai” atinge milhares de eritreus e sudaneses que abandonam os seus países à procura de trabalho ou asilo. Durante a fuga são sequestrados e torturados por bandos de ladrões e beduínos do deserto do Sinai, entre Israel e o Egipto, que pretendem obter resgates altíssimos das suas famílias. Caso contrário, são mortos. Mais de dois milhares estarão presos neste cativeiro. As suas condições de vida são inacreditáveis. (…) É urgente o envio de uma missão de observação da União Europeia e da comunidade internacional para o Sinai.»

E. A.                                         
Fonte: Fátima Missionária, Junho/2012

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Dia Mundial da Criança

OLHA, RAPAZ, AS TUAS MÃOS!


Olha, Rapaz, as tuas mãos,
tão frágeis e tão nuas
mas tão tuas!

Com elas poderás
fazer a tua casa,
semear teu pão,
regar o teu jardim,
saudar o teu irmão.
Com elas poderás pintar vitrais,
fazer mastros, navios,
construir catedrais.

Olha, Rapaz, as tuas mãos,
olha os teus dedos
tão frágeis mas tão teus,

e ousa depois dizer
que não há Deus.

         Fernanda de Castro, Urgente (1989)