quinta-feira, 27 de julho de 2017

Da água...




Das águas  soltavam-se cores 
num turbilhão de arco-íris.
As cores mais belas do mundo!
E, na imensa leveza da água,
nasciam estrelas
mais brilhantes que o Sol.
Uma música cheia de paz ressoava algures.
Donde vinha? Seria da água vasta e terna?
Indiferente, eu saltava
e saltava de novo... Saltava
como se nunca o tivesse feito.
   
27 de Julho de 2017
                                       Teresa Ferrer Passos

quinta-feira, 20 de julho de 2017

No princípio de nós


Cafetaria da Fundação Calouste Gulbenkian


do princípio de nós ou da beleza


numa chávena de café estremecem os teus dedos
convexos demais. Num espaço irreal
descubro grãos negros. Vejo incêndios
perpetuados em água. Vulcões negros soltam-se.

véus de nuvens densas mostram um cérebro
a escorrer seivas brancas. E os sentimentos
não transparecem. Tudo é baço, estranho talvez.

olho o café como se visse uma laranja doce.
Um encontro marcado e inclemente? Vejo o nada.
Onde estás? Pergunto.
E, tu, levantas o olhar turvo,
de súbito, para mim.

20 de Julho de 2017 (24º aniversário do nosso primeiro encontro na Cafeteria da Fundação Calouste Gulbenkian)
                                                        
                           Teresa Ferrer Passos






O LIVRO VERDE DO AMOR

Encontrámo-nos numa biblioteca
No centro de um jardim
E os livros da larga biblioteca
Escutaram com atenção minuciosa
As primeiras palavras que trocámos
E contaram-nas aos cisnes e aos peixes
E aos pardais, às joaninhas e aos melros
Que as foram repetindo sem descanso
Até elas ficarem imprimidas
No sussurrar da brisa na folhagem
E no bater do coração das árvores
E no tremer das águas nos riachos
Como as palavras de um livro transparente
Que nós ouvimos a cada regressar
À biblioteca no meio do jardim.

20 de Julho de 2017

                     Fernando Henrique de Passos

terça-feira, 11 de julho de 2017

Um poema de Maria d'Eça O'Neill para minha Mãe



Teresa e sua Mãe, no quintal da casa,
em Coimbra
(1956)

No 27º aniversário da morte da minha amada Mãe,
uma lembrança de poesia - a poesia que ela tanto gostava de decorar, e, depois declamar, nos momentos apropriados.

VISÃO DO CEU

Eu amo a nuvem doirada
Que vagueia pelos ceus.
Amo a noute, quando a terra
Envolve em seus negros veus.

Amo a estrella scintillante
Com o seu grato fulgor.
Eu amo o brilho da lua
De que a prata imita a côr.

Amo o barco que fluctua
Do meu patrio Tejo á flor,
Amo o canto d'avesinha
Que só diz - amôr, amôr.

Amo a tarde quando o occaso
Tinge o céu de varias côres.
Amo o bosque que o acaso
Matiza com lindas flores.

Amo da pomba a doçura,
Do tigre a ferocidade;
Amo do cysne a brancura
E da aguia a liberdade.

Mas o que sobretudo amo
É, dilecto, um olhar teu,
Que nas tristezas da terra
Mostra os encantos do ceu.

Maria d'Eça O'Neill, Nimbos, Livraria Editora Viúva Tavares Cardoso, Lisboa, 1908, pp.179-180.

quinta-feira, 6 de julho de 2017

Efrém, o Santo e o Poeta Sírio


Santo Efrém (306-373), teólogo e grande poeta sírio


O poeta sírio Efrém (306-373) cultivou a teologia cristã como uma sabedoria literária e poética. Nascido em Nisibe, na Síria (hoje Turquia) ofereceu-se para servir a Igreja cristã. O Bispo Tiago, nesta cidade, deu-lhe protecção e, vendo a sua inteligência, fê-lo diácono. Mais tarde, convidou-o para formar uma escola teológica em Nisibe. Quando o Imperador de Roma, Juliano, entregou Nisibe aos persas pagãos (seguidores de Zoroastro), Efrém exilou-se, com os seus discípulos e fundou outra escola teológica na cidade de Edessa (cidade síria nos tempos antigos e atualmente turca com o nome de Urfa).

Nisibe, atual Nusaybin no sul da Turquia,
perto da fronteira norte da Síria

Ambas as escolas combatiam as heresias que cresciam dentro da própria Igreja. Perscrutando a emoção de que está revestido o cristianismo, e conhecendo bem a natureza humana, Efrém viu na poesia, na composição musical e na prosa poética, a grande força da busca da verdade e da conversão dos pagãos. Assim, contemplativo e asceta, escreveu hinos de louvor, orações, composições musicais e uma prosa imbuída de poesia.


Para Efrém, a liturgia, como expressão artística (declamação de poemas, cânticos musicados, etc), consegue transmitir a doutrina de modo muito mais eficaz para as conversões ao cristianismo  do que longos discursos de fundamentação filosófica (racionalista). A sua teologia nova, cheia de emoção, aliava-se à altura poética e literária de Efrém. Os seus dotes fazem-no ascender à craveira de santo e Doutor da Igreja em 1920 (com o Papa Bento XV). Pela beleza dos seus escritos teológicos foi chamado «a harpa do Espírito Santo».



Neste primeiro centenário das Aparições de Nossa Senhora em Fátima (1917-2017), lembremos como Efrém, o Sírio, invocou Maria, Mãe de Cristo, de um modo grandioso:

«Mais resplandecente que o Sol, conciliadora do céu e da terra, paz, alegria e salvação do mundo».

Num dos seus Hinos à Virgem, escreveria:

«Convida-me a Virgem a cantar o mistério que contemplo com admiração. Dai-me, ó Filho de Deus, o vosso admirável dom, pelo qual eu afine minha lira e consiga pintar a imagem toda bela da vossa bem-amada Mãe.»

Sobre a Natividade, Santo Efrém, exaltando a grandeza humana de Maria Santíssima, sublinha, com um tom de profunda beleza, toda a humildade de Deus:

«O Senhor veio a ela
para tornar-se servo.
O Verbo veio a ela
para calar em seu seio.
O raio veio a ela
para não fazer ruído.
O pastor veio a ela,
e nasceu o Cordeiro, que chora docemente.
O seio de Maria
trocou os papéis: 
quem criou tudo
apoderou-se dele, mas na pobreza. 
O Altíssimo veio a ela (Maria), 
mas entrou humildemente.
O esplendor veio a ela, 
mas vestido com roupas humildes.
Quem tudo dá 
experimentou a fome.
Quem dá de beber a todos
sofreu a sede. 
Saiu dela nu, 
quem tudo reveste (de beleza)»

(Himno «De Nativitate» 11, 6-8)


O poeta e teólogo Santo Efrém, viria a ser um precursor da tradicional forma síria de fazer teologia. A sua devoção por Maria, levou-o a estar entre os primeiros que a Igreja cantou, ao revesti-la de glórias imensas. Na Igreja cristã do Oriente, chamaram-lhe  o Poeta de Nossa Senhora. 

6 de Julho de 2017 (dia em que se celebrou o meu Batismo, aos 11 meses de idade)

Teresa Ferrer Passos