quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Dois poemas de Fernando Echevarría



Fernando Echevarría (1929-...) acaba de receber o Prémio Literário de Correntes d'Escrita, realizadas no Casino de Póvoa de Varzim. O júri seleccionou o seu livro Categorias e outras Paisagens (512 páginas), editado por Edições Afrontamento, em 2013.


O Poeta Fernando Echevarría nasceu em Santander (Espanha), mas é filho de pai português e mãe espanhola. O seu amor a Portugal reflectiu-se na preferência que sempre deu à língua portuguesa na sua obra publicada. Tendo desenvolvido uma poética de largo fôlego reflexivo, Fernando Echevarría deve o timbre erudito dos seus poemas, em parte à sua formação académica em Filosofia e Teologia.

Por uma coincidência feliz, Echeverría completa hoje 86 anos. Lembremos, num tom de homenagem, palavras proferidas após ser-lhe atribuído o galardão:
«A poesia é um género que exige muita atenção, que exige muita leitura e por isso é que se lê tão pouco. Custa, mas tudo o que custa dá prazer».


Dois Poemas de Fernando Echeverría:


«A solidão é sempre fundamento 
da liberdade. Mas também do espaço 
por onde se desenvolve o alargar do tempo 
à volta da atenção estrita do acto. 
Húmus, e alma, é a solidão. E vento, 
quando da imóvel solenidade clama 
o mudo susto do grito, ainda suspenso 
do nome que vai ser sua prisão pensada. 
A menos que esse nome seja estremecimento 
— fruto de solidão compenetrada 
que, por dentro da sombra, nomeia o movimento 
de cada corpo entrando por sua luz sagrada.»

                             In Sobre os Mortos, 1991.

                                                ***

Da nossa própria noite se levanta 
aquela imóvel espécie de negrura 
onde tudo é possível – as galáxias, 
ou pulsar nulo de galáxia alguma. 
E até a expansão, a criar alta 
invisibilidade. Mas que suga, 
quanto o assunto for mais denso, a graça 
de um maior brio de altura. 
E a outra noite pela nossa canta, 
não luzes de prestígio, a só penúria 
que, quase instrumental, se exerce. Instaura 
um dentro fora de dimensão alguma. 
E é de aí que a noite se levanta 
e o mundo da insistência continua. 

                         in Geórgicas, 1998

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Meditações Cristãs


Editor e Poeta José Manuel Capêlo (1946-2010)
Pintura de Emília Matos e Silva 

«Ai de mim», diria o Apóstolo, «se eu não evangelizar». Nesta altura em que Portugal faz, de novo, uma descida aos infernos, Cristo, mais que nunca, é medicamento e alimento - e, em crítica acribia, Ele é o maior Poeta de todos os tempos. E por isso, num escorço breve e leve, esquadrinhemos: falante e aflante, o que é a Eucaristia???

Ela é, sobremodo, a caroal fracção do pão. Ou melhor: sempre que alguém reparte o pão, a título graciano, ele é da minha Via, ele faz, «ipso facto», Eucaristia - e a mesa no altar, esse Ágape cordial, é isso que nós vemos na palavra «companheiro»; e «companhia», portanto, é da Paz e «cum panis». Que o seminário, aqui o vemos, é o alfobre das sementes.

E semear é palavrar, lavrar em Pã, a fim de que a sementeira em Cristo floresça. E se a Palavra é pois o Verbo, e o «Logos» em acção, sejamos nós os novos Companheiros de Emaús. Sejamos, dessarte, o «Homo Viator» - que a viagem pois a Fátima, a Roma ou Compostela, ela começa, simplesmente, com um passo pequenino. Na sociedade dos Amigos, ou amáveis, a comunidade não será, propriamente, comunista; ela é, sim, pacifista, pessoal e comunitarista. 

Retomemos a colação, e a lição, de Kant Emanuel: «Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio.» Ou melhor: se a Filosofia Portuguesa é ligada, ou aliada, da franca Teologia, procuremos pois a Arte, como busca da Beleza, a Religião, como práxis de Bondade, e finalmente e alfim a Filosofia, como apaixonada e cultual indagação da Verdade. 

Na atitude poética, e nanja tecnocrata, comunicar deriva de um impulso eucarístico de comungar, congregar ou pôr em comum: e por isso, meus Amigos, o comunitarismo. Nós queremos dizer, e dessarte aduzir: o dinheiro, em si, não é um mal - e, se a plutocracia provém de Plutão, o dinheiro, deveras, é força esterquilínia: concentrado, ele fede e cheira, mas, disseminado, ele faz crescer as frutas, a planta e a vegetação - e estamos de novo a falar da partilha do pão. 

A Rosa, por exemplo: de que se nutre, ela, a Flor, senão do estercorário??? Um reparo, porém, aos usurários, aos videntes de profissão: como se lobriga em «Actos dos Apóstolos», 8, 20, o Espírito Santo não se compra com dinheiro. 

Um pouco mais longe e eu promulgaria: a espiritual Medicina, ela é prática gratuita, o Amigo do ABC, ele se porta, e comporta, qual Amigo do «abaissé» - e essa a escola, e o escopo, de nossos progredimentos. E esse o escol, a escolástica, o sinal, o Império, mavioso, da Paz universal................... 


Queluz, 20/ 02 / 2015

                                            Paulo Jorge Brito e Abreu    

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Sentimento vivo



Nas palavras de cada um dos teus poemas,
há um sentido nosso e que ninguém entende.
É o sentido do sentimento vivo que nasceu
em dois corações que se não distinguem,
senão por um bater à parte mas indistinto.
Ninguém vê, na verdade, o que nós mesmos somos.
E iludem-se, julgando ver claramente,
o que nunca poderão ver.
 colhem dos nossos versos 
o avesso da nossa verdade.

19 de Fevereiro de 2015

                                Teresa Ferrer Passos

A ciência do amor





Teresa e Fernando, em 2005, junto a uma casa em ruínas,
em S. Brás de Alportel 
Anda comigo ‒
Vamos de mãos dadas.
Deixaremos o tédio das estradas
E só desejaremos para abrigo
A inocente luz das madrugadas.

Pisaremos a terra e não asfalto,
E a meninice eterna desses dias,
Além de gerar prosas e poesias,
Fará de nós dois sábios ao assalto
Do castelo das velhas teorias.

O mundo será vasto como um sonho
Mas caberá contudo num só verso:
Um verso firme, oposto ao seu reverso,
Um verso que será ‒ assim proponho ‒
A chave da expansão do universo.


19/2/2015 (no 21º aniversário do nosso casamento)

                Fernando Henrique de Passos

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Do poema "Exorcismo"

Mesa de trabalho de Fernando Henrique de Passos

(...) E transformo numa prece esta poesia,
Pedindo aos Céus a paz e a harmonia
De me contentar com o pouco que aprendo em cada dia.
E que me dêem os Céus serenidade
Para nunca abandonar a busca da Verdade.

"Exorcismo" (3/2/2001) de Fernando Henrique de Passos

in Retábulo, 1ª edição, Universitária Editora, 2002, p. 41.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

A escrita transparente de Jón Kalman Stefánsson


Romancista Jón Kalman Stéfánsson (Islândia)

«Assim subiu e desceu a história pelo mundo fora, os anos juntam-se em séculos e, durante todo o tempo, as mulheres aqui no fim do mundo acordaram diante de Deus e dos homens para se ajoelharem à lareira e soprarem para os pedaços de feno a que tinham confiado o fogo na noite anterior. Pode demorar até uma hora a despertar o fogo de manhã; sopram até começarem a suar, sopram mas não desistem; o que é a vida sem fogo e rodeada de gelo? Sopram e cansam-se; os seus olhos brilham quando o fumo finalmente surge, ou ficam molhados quando este lhes cai sobre os rostos ao mesmo tempo.» 
              Jón Kalman Stefánsson, A Tristeza dos Anjos (excerto do romance), Cavalo de Ferro Editores, 2014.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Um olhar de Jorge, o filho louco

Ana Augusta Plácido (1831-1895)

«Olho os lírios brancos (há pouco eram vermelhos) e tropeço com o pensamento no vestido negro ou púrpura de Ana. Entre os seus dedos o charuto de formato cilíndrico e aroma inebrian­te de que não se cansa de tirar fumaças no ar pesado e lento desta terra a esvair-se em cinzas. Esse fumo vibra no meu e­spírito, como se fosse uma condenação maior do que a vida, em que me desdobro sem conseguir esvoaçar um pouco, nem sequer abrir o coração en­sanguentado de gritos.

   espero a libertação. Entre os grilhões de uma biblioteca infinita. Sinto a via para a liberdade pura. Doi-me o pensamento de ver Ana a ficar, de súbito, atónita, lânguida, perversa. Parece-me, cada dia que passa, uma desconhecida, uma figura vagabunda a agredir a solidão dos meus dias sem amanhecer e das minhas noites infindáveis»

Teresa Ferrer Passos, O Segredo de Ana Plácido, Ed. Gazeta de Poesia, 1ª edição, 1995; Ed. Nova Vega, 2ª edição, 2000 (assinou com o ortónimo Teresa Bernardino).