quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Nascer de novo


No apagado segredo dos instantes,
frente ao mar, o amor elevou-se.
E foi um rochedo desde esse encontro.
Na espera e na vontade
nascemos de novo.
E o mundo não pôde ser mais o mesmo.

29 de Outubro de 2014 (21 anos depois)

                                           Teresa Ferrer Passos

O namoro




Palavra terna, eterna, meiga, doce
Que o mês de Outubro uma vez nos trouxe.
Fio de mel escorrendo de colmeia
Onde duas bocas se encontraram
E dois corpos, duas almas, dois destinos
Que desde então jamais se despegaram.

29/10/2014


Fernando Henrique de Passos

terça-feira, 28 de outubro de 2014

A decomposição do arco-íris



(carta aberta a Richard Dawkins)

Impossível prender o movimento:
As borboletas mortas na vitrina
Não são já borboletas.
As asas secas e esticadas
Não se misturam já na luz, modificando-a,
Fazendo nascer mais novidade
De cada instante novo.
Muito ao contrário:
A rede quadricular das posições
Daqueles cadáveres sem sentido
Captura os núcleos de mudança
Como milhões de peixes sufocando
Brutalmente arrancados ao seio do fluir
Das doces águas,
E o contemplar da colecção
Arrasta a nossa alma por um longo corredor néon gelado
Num ziguezague em linha recta
Entre museus e hospitais.

Borboletas da minha adolescência:
Pudesse eu devolver-vos à luz das florestas,
Ao ar perpetuamente renovado
Que crescia entre as agulhas de pinheiro
As flores do cardo agreste
E os muitos milhares de ervas-sem-ter-nome,
Para que o pó das vossas asas fecundasse,
Mesmo que tarde,
Mesmo passados quarenta anos,
As águas do rio que já secou,
Cansado de esperar a vida eterna,
O rio onde meu pai me levava pela mão,
Era eu criança,
E em cujas margens me ensinava a procurar
Por entre o doce marulhar da vida
Aquelas gotas de total silêncio
Que encerram todas as razões do universo.

Borboletas da minha adolescência:
Conjuro-vos!
Rebentai os vidros das vitrinas!
Batei de novo as asas!
Libertai-vos das pinças e do éter!
Voai até ao sol!

Trazei de lá,
Se quiserdes assim manifestar-me
Que me concedeis vosso perdão,
A prova de que Newton estava errado
E de que a luz branca é muito mais
Que um espectro envergonhado
De se ver nu no pó na cinza e frigidez
Do laboratório onde aguarda
A sentença à pena capital.

28/10/2014

Fernando Henrique de Passos

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

A lógica das coisas (carta aberta ao Professor Marcelo Rebelo de Sousa)

“A dívida subiu pela lógica das coisas”
(Professor Marcelo Rebelo de Sousa na TVI, em 26/10/2014)


Caro Professor Marcelo Rebelo de Sousa

Eu e o Professor sabemos que a “lógica das coisas” a que se refere é simplesmente o facto VARIAÇÃO DA DÍVIDA = DÉFICE, mas mais de metade dos portugueses que ontem o ouviram não sabem isso.

Dada a iliteracia matemática do nosso povo, propunha-lhe que explicássemos este facto aos cidadãos de uma forma mais corriqueira, que até um atrasado mental perceberá: QUEM GASTA MAIS DO QUE RECEBE TEM DE PEDIR EMPRESTADA A DIFERENÇA.

Há três anos que os políticos da oposição e alguns comentadores dizem (os primeiros) ou dão a entender (os segundos) que o Governo é o responsável pelo aumento permanente da dívida. Não me surpreende que a oposição o faça, porque há muitos políticos, em todos os partidos, que parecem julgar que mentir faz parte das suas atribuições profissionais. Surpreende-me, sim, que alguém como o Professor Marcelo Rebelo de Sousa colabore nesta farsa. (Sei muito bem que formalmente o Professor Marcelo Rebelo de Sousa não mentiu. Mas isso não muda nada.)

Com os melhores cumprimentos,

Fernando Passos


P.S. Não tenho qualquer simpatia especial por qualquer partido, do governo ou da oposição. Esta mensagem, como outras que lhe tenho enviado, é motivada apenas pela irritação que me provocam certos atropelos à lógica.

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

A moral da história



1 – Como caçar um macaco

Ponha um amendoim dentro de uma jaula que tenha as grades suficientemente apertadas para que a mão do macaco passe à justa entre elas. Quando o macaco vir o amendoim, irá meter a mão pelas grades para o agarrar, mas quando quiser tirar a mão outra vez de dentro da jaula, o punho fechado não conseguirá passar e o macaco ficará preso. Por estranho que pareça, o macaco não perceberá que se largar o amendoim ficará de novo livre.

2 – O Tempo e a Eternidade

Penso que quase todos nós imaginamos a vida eterna como qualquer coisa que vem depois da vida terrena, tal como o emprego vem depois dos estudos, ou como a reforma vem depois dos anos de trabalho. No entanto, esta forma de ver a eternidade coloca-a na categoria das coisas temporais, o que não faz muito sentido.

É verdade que a nossa mente está feita de tal modo que não conseguimos deixar de projectar a ideia de tempo em tudo aquilo que imaginamos ou consideramos mas, mesmo assim, auxiliados pela nossa capacidade de abstracção, devemos fazer um esforço para contrariar esta tendência, e podemos até contornar a dificuldade combatendo o tempo com as suas próprias armas.

Recorramos assim ao conceito temporal de simultaneidade, para dizer que a eternidade não é anterior nem posterior à existência terrena, antes lhe sendo simultânea. (Do mesmo modo, a jaula e a selva onde se pode ser livre e feliz são duas possibilidades que se oferecem ao macaco em simultâneo, a cada instante.)

Digamos então que tempo e eternidade são apenas duas maneiras diferentes de ver a mesma realidade, ou, talvez melhor, duas maneiras diferentes de a viver. Jesus Cristo veio explicar-nos isto e dar-nos o segredo que permite optar pela maneira certa de viver a realidade, embora a acção permanente do Espírito Santo, desde o princípio dos tempos, já tivesse levado gente sábia de diversas culturas a intuições parciais desta verdade.

A verdade é que é o nosso egoísmo que nos amarra ao tempo, o nosso egoísmo traduzido na obsessão em nos sentirmos bem, traduzido na multidão de medos e desejos mesquinhos pelos quais nos deixamos governar a cada instante. E as leis da moral, na sua origem, propunham-se apenas serenar este revolto mar interior que nos precipita no Tempo, que é o Tempo, mas que, uma vez serenado, se transforma no infinito mar da própria Eternidade.

3 – Moral da história

As leis morais não são o capricho de um Deus sádico, que se compraz em proibir-nos as coisas que nos dão prazer. Pelo contrário, as leis morais são simplesmente um “mapa do tesouro”, um caminho secreto para o Bem Supremo, uma pista que conduz do Tempo à Eternidade. Por isso, se alguém nos vier dizer para não nos preocuparmos mais com as velhas leis da moral, temos tanta razão para agradecer como o macaco a quem foram dizer que não largasse o amendoim.

22/10/2014


Fernando Henrique de Passos

terça-feira, 21 de outubro de 2014

Edificar sobre rocha


Jesus edifica sobre a rocha
   «Fraternidade não é nem mediocridade, nem confraternização. Precisamos do eterno, ou então o que é a religião, o Santo? Não nos resta nada, nada de estável, está tudo em movimento. E, no entanto, temos necessidade de uma rocha»
                     E. Ionesco (in Antidotes), cit. por Joseph Ratzinger, O Caminho Pascal (1ª ed. em língua italiana no ano 2000), 1ª ed. (em língua portuguesa), 2006, p.163.

domingo, 19 de outubro de 2014

A caminho do perdão


Jesus em recolhimento
O mais importante nesta homilia (Missa da Beatificação de Paulo VI) do Papa Francisco é a ética que está subentendida no seu pensamento: a missão de evangelizar oferece a possibilidade do arrependimento e com ele a do perdão para o pecador se salvar e obter a grande recompensa. "Arrependei-vos", avisava S. João Batista. E Jesus: "Ide, fazei discípulos entre todos os povos". A salvação dos pecadores é a meta. A propósito, escreveu Joseph Ratzinger: "A dinâmica da missão não se pode traduzir na fórmula: Ide pelo mundo e tornai-vos também mundo e confirmai-o na sua profanidade! O contrário é que é verdadeiro. O «grão de mostarda» do Evangelho não se identifica com o mundo, mas destina-se a fazer fermentar todo o mundo" (in "O Caminho Pascal", 2000, pp. 162-163).

Teresa Ferrer Passos

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Rescaldo

Do grande incêndio de há quase dois mil anos
Que calcinou vontades egoístas
Libertando dos seus interiores sujos
Milhares de diamantes de pureza;
Do terramoto que fez ruir palácios
Mais cedo que o previsto
Salvando assim da morte os ocupantes;
Do vendaval escaldante
Que arrancou dos corpos suas vestes
E nus os lançou no longo caminho de regresso a casa;
Da cheia cujas águas cintilantes
Lavaram tanta chaga e podridão;
Do grande incêndio de há quase dois mil anos,
Do grande tumulto na ordem lógica das coisas,
Já só restam carvões quase apagados,
E por todo o lado despontam mais palácios,
E as roupagens cada vez mais ricas
Ocultam feridas tanto mais temíveis.

Senhor, porque não voltas?


16/10/2014

Fernando Henrique de Passos

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Pelos caminhos de S. João Batista




São João Batista
Maior entre os nascidos de mulher...... Intercedei por nós.
Voz que clama no deserto...... Rogai por nós.
Profeta do Altíssimo......Rogai por nós.
Profeta das Nações...... Rogai por nós.
Era mais que um Profeta...... Intercedei por nós.
Defensor da família e do matrimónio ...... Rogai por nós.
Santo Mártir da justiça e da verdade ...... Intercedei por nós.

(Excertos da Ladaínha de S. João Batista in "Olhar Deus com S. João", Paróquia de Santa Maria dos Anjos, Esposende, 2012)

sábado, 11 de outubro de 2014

Vim chamar ao arrependimento...


Das Alturas, nos nossos dias, Jesus olha para o Seu planeta.
E parece-Lhe um deserto.
A voz dos seus Discípulos estará a apagar-se?




«Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas os que estão doentes. Não foram os justos, mas os pecadores, que eu vim chamar ao arrependimento»
Lc 5, 31-32


«Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, perdendo-se ou condenando-se a si mesmo? Porque se alguém se envergonhar de Mim e das Minhas palavras, dele se envergonhará o Filho do Homem, quando vier na Sua glória e na do Pai»

Lc 9, 25-26


sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Na luz de outono


Suspensa no interior da catedral
Entre a cúpula e as lajes, a meia altura,
A ânsia de saber vibra e procura
Entre os raios de luz que caem do vitral
A rainha das pedras preciosas – porventura
Trazida por lapso outonal
Com as folhas vermelhas da estação madura.

(E as paredes de pedra transparente,
Olhando além da luz que o atravessa,
Dizem que o dia é todo uma promessa
E dizem mais que um dia assim não mente.)


10/10/2014

Fernando Henrique de Passos

terça-feira, 7 de outubro de 2014

Nada teria a oferecer


«Oponho-me radicalmente à ideia  de que a democratização e a liberalização das estruturas, da disciplina e de certas áreas da doutrina moral da Igreja trarão consigo uma nova primavera do Cristianismo e afastarão a crise da Igreja. (...) Neste caso a Igreja dissolver-se-ia gradualmente no contacto interminável com a sociedade pós-moderna e nada teria a oferecer»

                           Tomás Halík, A Noite do Confessor, Paulinas, 2014, pp.202-203.

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

No princípio de tudo


Madrugada muda estendendo-se no vale
União do céu com o calor da terra
Lucidez despontando no sonho sonolento da matéria
Hera trepando por colunas gregas
Entrada iluminada de palácio no centro de Florença
Rua discreta que conduz à razão de ser de todos nós


2/10/2014

Fernando Henrique de Passos