domingo, 29 de junho de 2014

S. João Baptista, o Precursor

S. João Baptista
 Pintura (1509-1516) de Leonardo da Vinci


(avoco, para a escrita, o Arcano e Arcaico do Sumo Sacerdote)

«ex toto corde», ao Mago Merlin, de Tomar

I

Foste à meta, com ardor,
E Cantor, eu compreendo.
És Profeta, com alor,
Meu Amor, eu me arrependo.

És o vau, da Vida o Pão,
És amável e Amigo,
E nas águas do Jordão,
Meu Amor, eu estou contigo.

Vê o Espírito e experto
Frutecendo aqui as fráguas,
Vê o Sopro, o Paracleto,
O deleite, e o dilecto,
Já voando sobre as águas.

II

E se as víboras são vedras,
Já dizia S. João:
«Deus suscita, destas pedras,
Os filhos de Abraão.

Eu baptizo-vos no rio,
No Jordão. Mas logo, logo,
No meu Verbo, e amavio,
Vem o Espírito, e o Fogo.»

Que o Filho excelso do Homem
Mora em Hermes Trismegisto;
Em Tomar, aqui me tomem,
Que o desvairo, o demo domem,
- E assim se faz o Cristo.


MISERANDO ATQUE ELIGENDO

Queluz, 28 / 06/ 2014

                              Paulo Jorge Brito e Abreu

sexta-feira, 27 de junho de 2014

Vereis o Céu abrir-se*



Constelações de fogo
Altares suspensos sobre o espaço
Sangue nobre colhido em taças de oiro
Espasmo do mármore ao toque azul da hóstia
Desertos negros riscados pela prata

O contacto da pele do pensamento
Com a carne hesitante e nervosa da existência efémera
Abala a estrutura rígida das coisas
Provoca a mudança de estado do real
Derrete a solidez satisfeita do sensível
Que, agora liquefeito, alaga violentamente
As margens demarcadas da lógica clássica

(O Estagirita esbraceja e S. Tomás
Debalde enseja lançar-lhe o seu auxílio.
Platão serve a Plotino,
Que sorve o suco dos frutos mais exóticos,
O açúcar do riso dos profetas
E a verde humidade das florestas
Onde o calor cozinha a novidade)

O Céu abriu-se na noite de Saint John
Entresílabas de séculos passados
E coches carregados de esmeraldas
E línguas de terras de além-mar
E cofres e caixas de Pandora
E o selo número sete protege o formigueiro
Mas eu suspeito que alguém já o quebrou

O Céu abriu-se, abriu-se tanto
Que nada já parece inteiro
Mas no auge do trágico e do espanto
Chegou ao fim a tinta no tinteiro

25/6/2014

                                                         Fernando Henrique de Passos


* “Vereis o Céu aberto e os anjos de Deus subindo e descendo sobre o Filho do Homem.” (Jo 1, 51)

quarta-feira, 25 de junho de 2014

Sentido



Abre os portões da tua casa
E não voltes a fechá-los nunca mais

Deixa a tua alma tornar-se igual à rua
E o teu respirar passar a ser o vento

Rasga essa membrana imaginária
Que te faz repetir desde que acordas
“Este sou eu, lá fora são os outros”

E quando a tua missão estiver cumprida,
Abre os braços, recebe a chuva branda,
Dissolve-te nas gotas indistintas,
Torna-te parte de algum rio,
Deixa-te arrastar até à foz
E mergulha enfim no vasto mar
Que és tu, que é Deus, que somos todos nós


24/6/2014

Fernando Henrique de Passos

sexta-feira, 20 de junho de 2014

A mesma jornada

CARTA ABERTA

A tua jornada em direcção ao centro de ti mesmo
A tua jornada em direcção a Deus
A tua jornada em direcção aos outros
– Três nomes diferentes para a mesma jornada

Papa Francisco,

poderia abordar a questão da falta de rigor da tua expressão “Deus dos filósofos”. Poderia dizer que não existe tal coisa, mas apenas, na melhor das hipóteses, um Deus para cada filósofo que falou sobre Deus. Mas percebo o que querias dizer. Muitas vezes o que queremos dizer não coincide exactamente com a forma das palavras que usamos para dizer o que queremos. Além do mais, não foi isso o que me perturbou. O que me perturbou foi tu dizeres que não gostas dele, desse tal “Deus dos filósofos”. E isso perturbou-me porque me parece que, num mundo tão desesperadamente materialista como é o mundo actual, não devemos “fechar ao trânsito” uma única via que possa conduzir a Deus, por mais esburacada que seja, ou mal iluminada, ou sinuosa, ou até mal frequentada.

A Razão sequestrou o Coração de muitos irmãos nossos, e não os deixa olhar e escutar as imagens, o vocabulário e os símbolos da tradição cristã sem um sentimento de troça e de repulsa. É preciso seduzir de novo a Razão, para que ela volte a permitir aos seus Corações o acesso à Palavra do Senhor. E só se pode seduzir a Razão (e, mesmo assim, muito a custo) com o Deus abstracto dos filósofos e, se necessário, até com a linguagem dos cientistas.

(A propósito, acho que devias obrigar todos os estudantes de teologia a terem cadeiras de física teórica e de matemática pura. Não tanto pelos factos concretos que iam aprender, mas porque o contacto com certo tipo de relações entre certo tipo de entidades abstractas ajuda a perceber que o absurdo pode ser compatível com a lógica e pode estimular a imaginação no sentido de encontrar novas soluções para velhos problemas. Claro que os mistérios serão sempre mistérios, pelo menos nesta nossa forma transitória de existência, mas algumas contradições aparentes poderiam passar a ser muito menos chocantes.)

Papa Francisco, por favor, muitos irmãos nossos talvez precisem do Deus difuso dos filósofos para chegar a Cristo. Eu sei que isto é exactamente o contrário do que devia ser, mas desta vez o Demónio deu um nó muito bem dado!

19/6/2014


Fernando Henrique de Passos

quarta-feira, 18 de junho de 2014

Após desligar o televisor



Quase impossível
Escutar o murmúrio das estrelas
Por entre o estrondo do choque dos planetas
E o som dos phones nos ouvidos.

No tilintar seco das grilhetas
Há horizontes divididos,
Há lugares santos profanados,
E ao pé da Cruz há mais soldados
Jogando a túnica inconsútil
E sempre que lançam os seus dados
É pus que cospem nos olhos de crianças.

Há o cinzento dos céus mais desolados,
Vermes viscosos fazendo o ninho em tranças
De jovens virgens, quase pueris
(E vós, pais, vós consentis!),
Ritos satânicos, raiva ao som de danças,
E as cores mais brandas
Tornadas negro, tornadas visco, tornadas vis.

Quase impossível achar os termos certos
Por entre os gritos fechados nas gavetas,
Quando a extensão infinita dos desertos
Polui a água dos cânticos libertos,
Chupada por milhões de poros e de gretas,
Tornada lama correndo nas valetas.


18/6/2014

Fernando Henrique de Passos

sábado, 14 de junho de 2014

A Fernando Pessoa


                                                            (no 126º aniversário do seu nascimento)

A sensação absurda e lancinante
De que cada coisa que nos olha
Nos tenta falar de uma outra coisa
Diferente de si própria,
Esta sensação, tu conheceste-la
Nas noites de insónia em que acordado
Sonhavas ser tu, e não Caeiro,
A tomar conta do rebanho,
E cada tronco, cada ovelha, cada pedra
Te fazia sentir como a um estranho.


13/6/2014

                                Fernando Henrique de Passos

terça-feira, 10 de junho de 2014

Como se tudo dependesse...


“Faz tudo como se tudo dependesse de ti e nada de Deus mas, confia como se tudo dependesse de Deus e nada de ti”
                                                        Santo Inácio de Loyola

sábado, 7 de junho de 2014

Humor

A relação entre Física e Física Matemática: é como aquele rapaz que queria ser futebolista.

Disseram-lhe: não podes ser futebolista, mas este trabalho está muito relacionado.


E puseram-no a pregar os botões das camisolas dos futebolistas.

Fernando Henrique de Passos

terça-feira, 3 de junho de 2014

Para uma nova evangelização do mundo


Santa Teresa do Menino Jesus (1873-1897)  - 
Precursora da Nova Evangelização do mundo*


Os Manuscritos Autobiográficos (1) de Santa Teresa do Menino Jesus e da Santa Face foram elaborados por sugestão de sua irmã Paulina (Madre Inês de Jesus) entre os 21 e 24 anos de idade (ano da sua morte). Com uma linguagem extremamente simples, oferecem-nos um pensamento espiritual de fundo teológico de clara feição precursora para o seu tempo. Estes Manuscritos não eram dirigidos a uma comunidade monástica (neste caso, Carmelita); procuravam chegar  mais longe, chegar ao mundo, aos sacerdotes e aos leigos, aos crentes de outras religiões ou aos ateus.

Sem Teresa do Menino Jesus se aperceber, anunciaram, de modo subtil, qualquer coisa nova para o mundo. Nas margens das suas palavras simples, erguia-se um edifício para uma sociedade sem diferenças entre bons e maus, sem estigmas sociais de natureza jurídica, sem distâncias relativas a culturas diferentes, sem distinção entre pequenos e grandes. Há, pois, aqui, um pensamento que se antecipa ao nosso tempo: ela tem a ousadia de fazer a crítica a princípios dogmaticamente aceites desde há muitos séculos pela Igreja. Vejamos os mais importantes: A critica à existência do purgatório, lugar onde se inscreviam castigos como sendo uma terapia regeneradora do pecado; a crítica do inferno, lugar onde se era lançado sem resgate ou perdão.

Para Teresa do Menino Jesus, estes princípios entravam em contradição com o Deus de Amor de que o rosto humano de Jesus era a expressão. “Os sofrimentos eternos são inúteis” e entram em contradição com o Deus-Amor; também a lei da pena de morte não permitia o arrependimento nem a reabilitação: «Quis a todo o custo impedi-lo (ao criminoso Pranzini) de cair no inferno» (2); a condição da mulher, mesmo conventual, a mulher sujeita ao desprezo, às proibições: «Ah, pobres mulheres, como são desprezadas» (3); os costumes, como a mortificação nos conventos: «Nunca fiz nenhuma» (4).

    Estas críticas, deram ensejo a Teresa do Menino Jesus para lançar as bases de uma renovação da teologia da Igreja, toda construída a partir de caminhos muito pequeninos. Assim, nascia uma pequena teologia para o tamanho do mundo: os seus pequenos caminhos são os atalhos para um outro pequeno caminho que se eleva como o vértice de todos: a fraternidade ou o encontro de todos com todos. O objectivo maior da encarnação de Deus em Jesus fora precisamente a Fraternidade. Esses pequenos caminhos de Santa Teresa de Lisieux têm uma matriz singular, o Amor: «A ciência do Amor, ah sim! esta palavra ressoa docemente ao ouvido da minha alma, não desejo senão essa ciência» (5).

O Amor traçava-se em cada um dos pequenos caminhos: um gesto de atenção ao outro, uma palavra carinhosa, um sacrificiozinho por alguém, um sorriso, uma palavra de paz, a procura do solitário, a confiança no próximo, o pedido de misericórdia a Jesus pelos pecadores... Tantos pequenos caminhos! E, precisamente os pequenos caminhos, enlaçados no caminho do Amor, iriam realizar, no mundo, o supremo caminho da Fraternidade. Essa Fraternidade que hoje continua a ser, dia após dia, esmagada pelo egoísmo, o orgulho, a ambição, a inveja, muitas das perversões do mundo contemporâneo.

Na linha de rumo traçada pelos pequenos caminhos, o Papa Francisco na sua 1ª Exortação Apostólica (2013) ensinava: «Trata-se de aprender a descobrir Jesus no rosto dos outros e aprender também a sofrer quando recebemos agressões injustas ou ingratidões, sem nos cansarmos jamais de optar pela fraternidade» (6). Neste documento, Francisco faz mesmo referência a um caso passado com Santa Teresa de Lisieux (7): Estando ela a fazer companhia à Irmã S. Pedro, cuja doença lhe dava um deplorável aspecto, começou a pensar numa cena alegre de um baile; de súbito, ouvindo-a gemer e vendo aquele rosto de dor, sentiu nesses momentos muito mais felicidade do que ao lembrar-se das imagens felizes do seu passado. E o Papa Francisco sublinha: «O modo de nos relacionarmos com os outros é uma fraternidade que sabe ver a grandeza sagrada do próximo, que sabe descobrir Deus em cada ser humano» (8).

O caminho do Amor, esse caminho pequeno, possui, ao mesmo tempo, uma força avassaladora. Sem todos os pequenos caminhos de Santa Teresa de Lisieux a mais jovem Doutora da Igreja −, a Fraternidade continuará, nos nossos dias, adiada. Por quanto tempo?...

30 de Maio de 2014


                                                Teresa Ferrer Passos

* Este texto foi escrito por ocasião do lançamento do livro da autora, Santa Teresa do Menino Jesus e a Força dos seus Pequenos Caminhos, Edições Carmelo, na Livraria da Universidade Católica de Lisboa, em 30 de Maio de 2014.


(1) Estes Manuscritos (1895-1897) vulgarizaram-se, após a sua morte, com o nome de História de uma Alma (1ª edição,1898).
(2) Manuscrito A, fl.45v.
(3) Manuscrito A, fl.66v.
(4) Manuscrito A, fl.68v.
(5) Manuscrito B, fl.1.
(6) Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, Paulinas Editora, 2013, p. 68, Parágrafo 91.
(7) Idem, Ibidem, Parágr. 91, nota 69; Manuscrito C, fl.29v-30.
(8) Evangelii Gaudium, Parágr. 92.

domingo, 1 de junho de 2014

Até aos confins do mundo em redes internéticas



«A rede digital pode ser um lugar rico de humanidade: não uma rede de fios, mas de pessoas humanas. A neutralidade dos mass-media é só aparente: quem comunica só pode constituir um ponto de referência colocando-se a si mesmo em jogo. (…) graças à rede, pode a mensagem cristã viajar «até aos confins do mundo» (At 1, 8). Abrir as portas das igrejas significa também abri-las no ambiente digital, seja para que as pessoas entrem, independentemente da condição de vida em que se encontrem, seja para que o Evangelho possa cruzar o limiar do templo e sair ao encontro de todos.»


Excerto da Mensagem do Papa Francisco para o 48º Dia Mundial das Comunicações Sociais (1 de Junho de 2014)