sábado, 28 de julho de 2012

Bendito Esposo


Nas lágrimas derramadas, reconheço a tua  pureza bendita.
Nelas inscreves o pânico da separação primeira,
na casa já a perder o sentido...

Num hospital, vejo-te naquilo em que ninguém repara.
Leio-te no fundo da tua excelsa alma.

Como Deus conhece a generosidade do teu amor em mim…
Como Deus conhece as tuas trevas nas horas da tua doença…
Como Deus conhece a força do teu amor, sempre a vencê-la!

Como um mar imenso em turbilhão,
vejo irromper a tua paixão a cada instante.

Conto agora dezoito anos da nossa vida
em comum, numa comunhão tão funda,
que não sei já o que significa a palavra fim


Lisboa, 28 de Julho de 2012

Teresa Ferrer Passos

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Adão e Eva


Passais lentamente o corredor de espelhos,
O cheiro amargo da hera nas narinas,
O tapete de musgo sob os pés.
O labirinto de translúcidas molduras
Engana-vos de novo.
Os rostos ambíguos e estáticos
Trocam olhares em todos os sentidos
E sois atravessados por uma luz vegetal.
Os reflexos de cor das telas nas paredes
Perdem-se nas sombras de verde transparente
Que vós próprios projectais.
Um pouco mais e o ar ficará líquido
E nadareis na água doce e entre os limos
E a galeria de quadros madrepérola
Será soluto e vós solvente.
E, liquefeitos, cristalizareis
As cores azuladas do poente.

26/7/2012

Fernando Henrique de Passos

terça-feira, 24 de julho de 2012

Dezanove Anos


Faz hoje dois dias,
Fez dezanove anos
Que nos conhecemos.
Faz hoje dois dias,
Tu estavas ausente,
A casa vazia.
O dia doía
De te ver doente.

Lá longe de casa
Teu corpo sofria.
Mais sofria a alma
Por falta de amor
Das que te acolhiam
Na cama moderna,
Cama articulada,
Cama gradeada,
Cama vigiada,
Cama desprezada
Por mulheres-robô
Com alma de cão,
Que se riem muito,
Riem sem parar,
Riem sem razão.

Eu, na nossa casa,
No nosso jardim,
Colhia sorrisos
Para te levar,
E juntava as letras
Da palavra amar.
E ao meio-dia
Ia-te encontrar;
E ao meio-dia
A tarde cantava
Da  nossa alegria…

22/7/2012

Fernando Henrique de Passos

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Ventre Materno


em águas de nenúfares
a vida cresceu em ti
e eu, dentro das gotas,
vivi nesse lago em que te vi.
E no ventre de minha mãe te descobri
na sua transparência
cresci devagar e te sorri.

Foi na hora do  teu grito fálico
a descer do céu desértico
e a tocar o ventre de Natércia
que como um véu me cobria.

Natércia me guardava só para o teu corpo
- maravilha cósmica de vida e arte -
e eu, como se ela fizesse uma alquimia,
 a querer ainda nela amar-te…
com esperança e fantasia.

26 de Janeiro de 1999

Teresa Ferrer Passos

domingo, 22 de julho de 2012

Memória de Alportel


Ali, ao crepúsculo, vibrava o espaço numa sinfonia
Imensa. Os sons, irreconhecíveis, prolongavam-se
Na minha alma cansada e ansiando paz.

Ali, ao crepúsculo, o piar do cuco tímido e choroso
Fazia-me pensar em todas as solidões do mundo.
Mas, os sinos da igreja desviavam-me o pensamento.

Ali, ao crepúsculo, esquecia-me de mim,
Extasiada pelo colorido azul-róseo do céu
A convocar-me a um cântico novo ao criador.

Ali, ao crepúsculo, esvoaçavam os pássaros
Com trinos rápidos, na excitação pelo fim do dia.
E as árvores inclinavam-se às verdes folhas paradas.

Ali, ao crepúsculo, via passar, de súbito, a cegonha,
Pesada de esperança nas asas ávidas de vida.
E, sem olhar para trás, rumava ao alto ninho.

Ali, ao crepúsculo, descia à terra o silêncio.
Então, frente à beleza do cenário,
Parecia-me que, sem saber, rezava.


15 de Julho de 2012

Teresa Ferrer Passos

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Deus à mão de semear

Jesus é o Espírito Santo (Deus) que encarnou sob a forma humana para poder falar aos seres humanos, para lhes poder assim ensinar a viver de acordo com o Bem que integra em si mesmo o Amor, de que esse Espírito Santo (Deus) é o símbolo absoluto. E, em consequência,  a Boa Nova de Jesus será para o ser humano que o quiser seguir. Aproxima-se assim, o ser humano, de tal modo do Espírito Santo (Deus), que dele não se distinguirá e, por isso, alcançará, em espírito-para-além-do-mundo-material-que-conhecemos, a vida eterna. O Espírito Santo (Deus) para se dar a conhecer à humanidade só o podia fazer através de uma encarnação humana.

13/7/2012

Teresa Ferrer Passos

O Kamikaze


Na planície quieta sob o sol
O sonâmbulo carro sobre a estrada.
O ar está quebradiço como palha.
Os corvos regressaram de manhã
Depois dos longos anos de degredo.
O som de um avião no céu brilhante
Irrompe no ofício de existir.
Sobressalto dos lagos ressequidos.
A cratera de fogo no trigal
Mistura o fumo lento com o sono
E a ferida que se abriu no fio do tempo
Palpita cada vez mais devagar
E seca entre raízes e torrões.
Agora a terra engole os poucos traços
Da última ameaça aos negros reis.

10/7/2012

Fernando Henrique de Passos

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Crise e Espiritualidade

"Diz-se que estes duros tempos de crise económica, em que todos os dias vemos tombar o modelo que identificava a felicidade com o poder de compra (ou com a sua ilusão), constituem uma oportunidade para a redescoberta do espiritual. Pode bem ser. Mas no lugar de um ídolo, não podemos colocar outro. A vida espiritual não é um oculta-vazios ou um alívio emocional para sociedades à beira de um ataque de nervos. É uma aventura maior, que nos radica na verdade nua do homem e na verdade de Deus. Partamos daí."

José Tolentino Mendonça, in Agência Ecclesia

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Crise e Solidariedade


"Passado um ano, estamos todos mais pobres. Os muito pobres vivem pior do que os cães dos ricos. (…) Muitos dos que acreditaram que comprar casa própria era a solução mais adequada para casais em início de vida, ficaram desempregados às dezenas de milhares. Hoje não dormem na rua porque a solidariedade familiar é um valor que os mercados ainda não conseguiram deitar para o lixo."

Catalina Pestana, in Sol, 6/7/2012

quarta-feira, 4 de julho de 2012

O Bosão de Higgs

Físico Peter Higgs (1929-)

Antes de mais, um aviso: sou crente; ninguém mais do que eu gostaria que a ciência provasse a existência de Deus. (Se isso fosse possível, o que, de resto, não é.) 
Ora, se a descoberta do bosão de Higgs provasse alguma coisa (o que não prova, nem, de resto, poderia provar) seria a não existência de Deus. O equívoco gerado em torno desta partícula deriva em grande parte, quanto a mim, de um erro de tradução: traduziu-se em português “God particle” (o que, já de si, é apenas uma brincadeira) por “partícula de Deus”, quando o correcto seria “partícula Deus”, porque é uma partícula que, em certo sentido, se substitui a Deus no seu papel de criador da matéria. Mas também aqui convém ser mais preciso: não se trata de uma partícula que existe antes das outras e depois lhes dá origem; também não se trata de uma partícula que surge após a existência prévia de partículas sem massa (e, portanto, “imateriais”) e que lhes vem conferir essa massa. Nada disso: o bosão de Higgs e as restantes partículas existem “ao mesmo tempo”. O que se passa é que, de acordo com a teoria, se não existisse o bosão de Higgs as restantes partículas não teriam massa, permitindo no entanto a mesma teoria deduzir que as restantes partículas têm massa se, juntamente com elas, existir também o bosão de Higgs. 
Mas, mais importante, se o bosão de Higgs explica a “materialidade” das restantes partículas, fica ainda por explicar por que razão existem de todo partículas, sejam elas quais forem. O crente poderá sempre argumentar que alguém teve de as criar. (Também é verdade que o não crente perguntará sempre: “se Deus pode existir sem ter sido criado, porque não se pode dar o mesmo com as partículas, e com tudo o resto, dispensando assim a ideia de Deus?”) 
Já agora, um aparte sobre as relações entre ciência e religião. Foi posta a circular pela Igreja (a mesma Igreja de que eu faço parte, saliente-se de novo) a ideia de que a ciência e a religião não se contradizem porque dizem respeito a esferas diferentes. Não é verdade. Só existe uma realidade, e a religião e a ciência falam ambas acerca dessa mesma e única realidade, logo alguma relação tem de haver entre as afirmações de uma e outra. O que acontece é que as afirmações da religião não podem ser postas à prova pela experiência, ao contrário das afirmações da ciência, e é apenas devido a este facto que nunca poderá haver contradição entre umas e outras. Mas acrescente-se que uma afirmação que pode ser posta à prova pela experiência pode também ser relativamente desinteressante (ou mesmo completamente desinteressante) do ponto de vista do ser humano e das suas aspirações, enquanto, pelo contrário, uma afirmação não submetível à prova da experiência pode mesmo assim ser verdadeira e, além disso, altamente significativa para o ser humano e para as suas aspirações. 

4/7/2012

Fernando Henrique de Passos

terça-feira, 3 de julho de 2012

Réstea de Paz



As estevas brancas e o joio
cresciam lado a lado.
Entre amores-perfeitos e estrelas-do-egipto
nada se distinguia com nitidez.
De mãos entrelaçadas, esperávamos
as horas silenciosas do crepúsculo.
Inflamados pelas cores azuladas das alcachofras,
esperávamos a hora nova ou do nunca.
Depois, pela janela larga e debruçada da casinha
Enquadrada na serra enevoada,
víamos crescer o sol,
de cansaço prostrado aos nossos pés.
Abismados, os nossos olhos sucumbiam naquela visão
procurando ainda uma réstea de paz.
Firme como no primeiro dia,
vimos o sol brincar às escondidas
com os contorcidos troncos
e as folhinhas da velha oliveira.
Como a sorver uma grande paz,
desvendámos aqui o segredo da vida:
verdes rebentos brotavam, com audácia,
da sua escavada carcaça,
inquebrantáveis de força! 

S. Brás de Alportel, 1 de Julho de 2012 

Teresa Ferrer Passos

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Pedofilia - Crime sem Castigo?


«Saber ler sinais de mal-estar nas crianças que nos rodeiam; saber informá-las (sem as traumatizar) sobre o que devem recusar, seja a quem for; saber ouvi-las quando confiam em nós para falar; saber o que fazer depois de termos ouvido a denúncia de alguém que diz ter sido vítima.
A Rede de Cuidadores, organização não governamental que trabalha nesta área, está disponível para ajudar aqueles que aceitam ter problemas.»

Catalina Pestana, in Sol, 29/6/2012

domingo, 1 de julho de 2012

Prece ao Paracleto




de todo o coração, a Sua Santidade, o Papa Bento XVI
à Academia Carioca de Letras

Magíster, aqui estou, estou preste para o convite e pronto para o Amor. Que anelo eu ser o elo, o celeste Cavaleiro, o escriba do Alto e a Língua das Aves - e que eu cifre, «sephirótico», a Kabbalah cabalina, os Astros, as letras, os Numes e os nomes. E os números, outrossim, na essência, na senda do Éter. Doutrina-me, me informa e enforma, ensina-me, doravante, as palavras correctas, bem rectas e escorreitas. Que esta é pois a jorna, que, no fim da jornada, o jornaleiro seja pago, e no Adam, e no Adon, que eu prepare alfim a messe para a vinda do Messias...........

Terras de Santa Maria, 28/ 09/ 2006

PAULO JORGE BRITO E ABREU