segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Novo Ano



Para que reine a paz entre todos os homens e mulheres
deste planeta a que chamamos terra... construamos a hora do Amor!!!
É a hora da fraternidade e não da perseguição aos desprotegidos.
É a hora de dividir e não de tirar o pão aos que se perderam dele…
Para que um Novo Ano nos ofereça dias promissores,
rumo a um futuro em que sejamos capazes de construir um mundo novo,
em que sejamos mais o exemplo do que a teoria,
em que voltemos a venerar as consciências não corrompidas!
É a hora de revisitar o humano e não de o violentar!
É a hora de repor a justiça e não de a escorraçar!
Mesmo vendo erguidos, há décadas, tantos chicotes…
saibamos, suportando o jugo, resistir, ainda!

Teresa Ferrer Passos

domingo, 30 de dezembro de 2012

Pergunta



Paro à entrada da pergunta
Caverna tão vazia que a custo tem paredes
Povoada de palavras errantes no seu erro
Tão vazias como a própria caverna que as alberga
Cada uma contendo apenas mais palavras
Soltas ocas e distantes

Desolação
Sonho de respostas sob a forma
De grandes galerias resguardadas
Forradas do musgo de redes de palavras
Se houvesse palavras com sentido

Paro à entrada da pergunta
E todo o frio do universo me congela os lábios
E as galáxias são cemitérios de frases e cristais

Bastava entrar lá dentro
Atravessar a atmosfera rarefeita
Escutar os ecos das estrelas

Paro à entrada da pergunta
Não vou em frente
Seria preciso conseguir falar
Sem proferir palavras

E o mistério permanece
Esperando quem saiba interrogar o silêncio com silêncio
Para revelar a resposta oculta atrás do nada

29/12/2012

Fernando Henrique de Passos

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

O Pão Nosso de Cada Dia



«Jesus sabe, por experiência, quanto custa fazer a vontade do Pai, também "conhece a nossa fraqueza", então "buscou um meio admirável por onde nos mostrou o máximo de amor que nos tem e, em Seu nome e no de Seus irmãos, fez esta petição: 'O pão nosso de cada dia nos dai hoje, Senhor'". Jesus fez-se pão para todos. Para Teresa a Eucaristia é a expressão máxima e permanente da "submissão" amorosa de Jesus a seu Pai. Desta maneira revela-nos qual é a vontade do Pai e anima-nos e capacita-nos para nós a vivermos.»

Jeremias Carlos Vechina, Revista de Espiritualidade
(as citações são de Santa Teresa de Jesus)

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Um Conselho da Diáspora para Portugal



O Presidente da República Cavaco Silva constituiu o Conselho da Diáspora e empossou os seus membros fundadores. Este Conselho é presidido pelo grande economista e empresário português Filipe de Botton.

Criado com vista a fomentar no estrangeiro uma nova e vigorosa imagem de Portugal, o Conselho é formado por 23 fundadores e 300 membros. O objectivo deste grupo de portugueses é desenvolver, como defendia Fernando Pessoa, a propaganda de Portugal nos mais diversos países do mundo.

Um combate globalizante feito por esses portugueses para incentivar o investimento estrangeiro no nosso país, numa época de grave crise económica e social, é, sem dúvida, uma pedrada no charco.

Este Conselho chamado, significativamente, da Diáspora, que significa povo disperso pelo mundo,  dá corpo a uma ambição que o Presidente da República “tem vindo a estimular”, tendo como trave mestra “uma rede de talentos e competências que existem nas comunidades portuguesas, no domínio da economia, das artes, da ciência e da política”.

Criar “uma rede de influência mundial” para “aproveitar o melhor de Portugal fora do país para dar mais credibilidade” às condições que aqui podem vir a encontrar. O presidente da Direcção do Conselho da Diáspora, Filipe de Botton, um excelente administrador na área do investimento e da produção nacionais, acentuou que “o reforço das relações das comunidades portuguesas e de luso descendentes espalhados pelo mundo tem sido uma prioridade dos meus mandatos desde o primeiro dia”.

Que o Conselho da Diáspora crie raízes e a árvore cresça na fértil terra que é Portugal. Assim será, se lhe juntarmos a dinâmica dos melhores portugueses que, na Diáspora, ainda podem reconstruir Portugal. Agora, a partir do disperso ou da sua diáspora no mundo.

27/12/2012
Teresa Ferrer Passos

domingo, 2 de dezembro de 2012

NATAL 2012

Dossier NATAL / 2012
Natal, 2012, Jesus Cristo, Menino Jesus, José, Maria




ÍNDICE:

  • "O sábio e a lenda", Fernando Henrique de Passos (Poesia)
  • "Haverá ainda um Natal?", Luiz Martins da Silva (Reflexão)
  • Lucas 1, 35 (Evangelho segundo S. Lucas)
  • Excertos de obras: Daniel Rops, Hans Urs von Balthasar, Rainer Maria Rilke, Henrique Manuel S. Pereira
  • "Theosophia", Paulo Jorge Brito e Abreu (Poesia)
  • "O primeiro Pai Natal", Teresa Ferrer Passos (Conto fundamentado numa lenda sobre S. Nicolau)


***

O SÁBIO E A LENDA




De dentro da noite, o sábio olhou a estrela,
Uma estrela igual a cada estrela,
Das muitas a brilhar dentro da noite.

Se um dia fosse dia em vez de noite,
Se um dia as leis fossem mais claras,
Tão claras como é clara a luz do dia…

Por certo, sabia muito o sábio,
Mas, quanto mais sabia,
Mais escura a noite se tornava.

Se um dia uma estrela se soltasse,
Se do céu caísse sobre a Terra,
Contra as leis que o sábio conhecia…

E o sábio tentou esquecer as leis
Que com tanto trabalho descobrira,
Mas as leis eram já parte do seu corpo.

Contudo, uma estrela igual às outras,
Que o sábio avistara nessa noite,
Sendo igual, parecia ser diferente…

Dentro da noite, o sábio recordou
A lenda muito antiga
Que um dia ouvira a sua mãe:

Uma estrela, uma gruta, um Salvador –
Um Deus Menino!
Se ao menos aquela estrela se movesse…

E a estrela começa a deslocar-se,
E o sábio segue-a,
Segue-a durante muitas noites.

E a estrela detém-se sobre a gruta,
A mesma gruta de há cem séculos,
A mesma da lenda muito antiga…

E a luz daquela estrela instaura o dia,
O dia que o sábio nunca vira,
Nem mesmo sabia imaginar.

E no centro do dia havia um Deus,
Um Deus Menino,
O Deus de que falava a velha lenda…

E a mãe do Menino olhava o sábio,
E ao sábio parecia a sua mãe,
A mesma a quem ouvira a louca lenda.

E o sábio chorou e, de joelhos,
Sob um dilúvio de luz abrasadora,
Pôde enfim esquecer todas as leis…


Fernando Henrique de Passos



***


HAVERÁ AINDA UM NATAL?
   

            
                Um dos exercícios que passo para as turmas de Oficina de Texto é o de escreverem uma carta para a Humanidade do futuro, passando para os habitantes da Terra do Ano 50.000 alguma referência sobre algum patrimônio da atualidade, material ou imaterial, a ser aproveitado como herança.
Em geral, encontro resistências, pois se é difícil imaginar o Planeta em um século, imagine em centenas deles. O convite é que transmitam um conhecimento, algo lúdico, uma ideia, um texto, uma recomendação. A tendência majoritária é pelo ceticismo. Alguns escrevem dizendo o que é água, bem a escassear em alguns milênios, quando em vez de H20 beberão uma química ‘genérica’.
Aceito, hoje, a mesma pauta. Pego o “gancho” do Natal, antes que o seu sentido se apague. E nem revelarei o que é em nave a retornar no Ano 50 mil e um, como assim foi imaginado na França, pelo projeto KEO, proposta de colocar em órbita elíptica e retornável uma pequena torre com um repertório de gravações de recados em todas as línguas e dialetos, uma espécie de Pedra da Roseta para a Humanidade longínqua. Aliás, nem tão distante, os primeiros registros artísticos datam de 300 mil anos. E como nos admiramos do estilo bom gosto dos nossos antepassados! Já vi desenhos muito interessantes em ossos de renas.
A cada Natal que vivencio – felizmente, pois é sinal de que estou vivo e mais vivido –, tenho ganas de gritar para o mundo a minha indignação! A pretexto de celebrar o nascimento de Cristo – um ‘pobrezinho [que] nasceu em Belém” e que na falta de um berço serviu-lhe uma manjedoura –, reduziram o Natal a uma grande festa do comércio, para a qual há uma profusão de catálogos, a ponto de tornarem as edições dos jornais e revistas robustas maçarocas a derramar por todos os lados encartes, folhetos, filipetas e outras catervagens do varejão publicitário.
Outra deformação, a Árvore de Natal. Conta a lenda que surgiu de uma família ir ao bosque e trazer um pinheirinho para ornamentar o lar na comemoração religiosa. Hoje, gigantescas árvores metálicas e luxuosos presépios com luzes pirotécnicas locupletamshoppings centers e supermercados mundo afora, e tome cantarola ensurdecedora do que ainda seriam músicas natalinas. Papai Noel, um parece palhaço decaído, free lancer de fim de ano. Afinal, nele ainda acreditam os menorzinhos arrebatados ao seu colo para uma foto e algumas balinhas.
É nas igrejas que ainda se encontram as “lapinhas”, pequenas encenações do que teria sido a estribaria na qual veio ao mundo o Menino Deus, achada por três dos quatro Reis Magos, seguindo a estrela. Na lenda adicional, um quarto se atrasou pelo caminho, a fazer caridade. Tal a demora, só encontrou Cristo na cruz, mas ainda a tempo de se desculpar por ter gasto os presentes em socorros, e d’Ele ouvir: “Em verdade, a melhor dádiva, ajudar os desvalidos”.
Oh! Vocês humanos do futuro, que estão aí, repassando imagens de um passado remoto e acreditando que o Natal foi uma espécie de festa tirana, onde todos se achavam obrigados a ir a lojas e se preparar para um grande troca-troca de bens de consumo, regado a muita comilança e bebidas alcoólicas! Pelo amor do Menino Jesus, saibam: Natal não é nada disso. Natal não há mais, a menos que se restaurem o seu sentido e os seus cenários. O meu, pelo menos, era o Natal da Missa do Galo. Adolescente, ia, à pé, com a família, do meu bairro à Matriz, assistir a missa da meia-noite e admirar o presépio, ou seja, a poética dramatização miniaturizada da gruta que serviu de abrigo à Família Sagrada, fugindo de Herodes. Hoje, o rei que a todos persegue e a tudo reifica é o hiperconsumo. Ai de quem não cumprir as suas ordens e degolar o próprio pescoço na guilhotina dos crediários! Mas, as lendas se reinventam, para não perecer.

Luiz Martins da Silva
(professor da Faculdade de Comunicação
da Universidade de Brasília)



***


«O Espírito Santo virá sobre ti e a força do Altíssimo estenderá sobre ti a Sua sombra. Por isso mesmo é que o Santo que vai nascer há-de chamar-Se Filho de Deus.»
                                                                                                                                          Lc 1, 35


***

«Interrogavam-se sobre as condições da vinda do Messias. Havia unanimidade no que se referia ao teatro da sua glorificação: só poderia ser em Jerusalém, a Cidade santa entre todas, e numa Terra prometida, maravilhosamente renovada, onde, como dizia o apócrifo de Baruque, um maná inesgotável nutrirá os homens até ao fim dos tempos.»
Daniel Rops, A Vida Quotidiana na Palestina no Tempo de Jesus


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«[Charles Péguy,] o maior glorificador da infância em geral e da infância de Jesus em particular (…), invadido pelo sentimento da proximidade a Deus da criança, consegue derramar um cântico de louvor à criança até no interior do cântico de louvor à noite.»
Hans Urs von Balthasar, Da Integração: Aspectos de uma Teologia da História


***

«...É fácil encontrar inúmeras razões que nos levam a pensar que nada pode acontecer sem Deus. Mas isto é seguro: os adultos não estão a preocupar-se com Ele, pelo que somos nós, as crianças, que temos de nos preocupar. Escutem um plano em que eu pensei. Somos sete crianças. Cada uma de nós deve transportar Deus consigo durante um dia, pelo que estará connosco durante toda a semana e assim, em cada momento, saberemos sempre onde é que Ele está...»
Rainer Maria Rilke, “Como o dedal se tornou Deus”, Histórias de Deus


***


«Penso também nos que neste Natal não têm um ombro para o seu ombro, um sopro para as suas brasas apagadas. É terrível sentir na carne o destino da onda anónima que morre em cada praia.
Agora é toda uma procissão de nomes e situações que me visitam. E eu sei. Nós sabemos que as mãos podem vencer distâncias e desdentar esta solidão que surdamente nos mastiga.»
Henrique Manuel S. Pereira, Os Paraísos São Interiores


***

THEOSOPHIA





à memória de meu Pai, 
52 anos de Amizade e gratidão

ao Padre Heitor Morais da Silva

de todo o coração, ao meu Irmão Luís André


Todo o Nume já passa pelo nome,
Seja Júpiter, Zeus ou Jeová.
O fármaco da Graça é dela a fome,
O âmago d' Amor é Amon-Rá.

E dorme na Diana o deus Apolo,
E as rosas são Vénus e a Via;
Tu és lauta liança, e Tu queres colo,
Tu repousas nos braços de Maria.

PAZ NA TERRA PARA TODOS OS SERES

                                Paulo Jorge Brito e Abreu


***


O  PRIMEIRO  PAI  NATAL (1)
(conto)

Altar-mor da igreja  de S. Nicolau (séc.XII) em Mira, Turquia

“Cânone da fé, imagem da mansidão, mestre da continência, chegaste à região da verdade. Pela humildade conseguiste o mais sublime, pela pobreza o mais opulento.”
S. João Crisóstomo



      Aquela criança chorava, como Nicolau (2) nunca vira. Olhou-a impressionado. Procurando a causa de tanta tristeza, fez-lhe mil perguntas, mas ela a nenhuma respondeu. A resposta era apenas o choro. Um choro cada vez mais contido. Mais silencioso. Depois parou. E o bispo Nicolau viu-a adormecer de cansaço. De facto, Nicolau passara naquela rua da bela cidade de Bari, pela primeira vez na sua vida. E ficara deveras impressionado com o desalento daquela criança. É que este encontro fortuito, tão inesperado, passava-se precisamente quando começava a cair, ao de leve, a noite que era a antevéspera do Dia de Natal. Vendo a pobre criança a dormir, não a quis acordar e afastou-se para casa, angustiado.
      Já em casa, mal podia orar a Deus, coisa que fazia sempre com sereno entusiasmo. O choro daquela criança não saía dos seus ouvidos, mais do que isso, não saía do seu coração tocado por uma tristeza que lhe lembrava tantas outras crianças tristes, a chorar. Faltavam só dois dias para o Dia de Natal.
      Depois daquele encontro que lhe fez tanta inquietação, acabou por se recolher para enfim repousar. Mas, o sono parecia que não chegava. Não podia adormecer ao pensar na criancinha daquela maneira a chorar e depois adormecida. Exausta. As horas, no sino da igreja, soavam, mas continuavam sempre iguais. Aquela insónia, aquela agitação entre as mantas que o aqueciam e deixavam enregelado, até parecia querer lembrar-lhe qualquer coisa. Faltaria acontecer algo de insólito na esfera do divino, ele que até já estava habituado?!
     “Será algum recado de Deus, será alguma palavra de Jesus, nestes dias tão próximos da Festa do seu Natal?...”, interrogava-se Nicolau, atormentado por ver que a vontade divina permanecia escondida do seu coração, sempre pronto a recebê-la... Depois, lembrava-se de que, quando era criança também chorava, mas chorava por ser de uma família rica, muito rica... Queria tanto ser pobre, pobre como aqueles meninos da rua, descalços e sem agasalhos, que via pela cidade de Mira, a cidade onde nascera, na distante Turquia.
      Havia já uma branda luz do amanhecer e o sono não chegava para o bispo Nicolau, nem mesmo que fosse só para sonhar que descobrira o desejo desse Deus, desse Deus tão escondido sempre. E como esse Deus, que era o nosso verdadeiro Pai, sempre se soubera esconder, sob o nome dos profetas, sob o nome de Jesus, sob o nome dos seus filhos mais pobres, dos mais pecadores ou dos mais santos e também sob a forma de uma estrela a indicar o estábulo do Nascimento de Jesus, ou sob a forma de pomba planando no azul sobre o rio Jordão na hora alta do Seu Baptismo.
      Cansado de tanto pensar naquela noite que já lhe parecia longa demais,  Nicolau ouviu o sino da sua igreja. Tocavam as seis horas da manhã! “Tenho de me levantar, depressa”, exclamou muito aflito. “Senão, a missa que celebro às sete… como a vou celebrar?!”. Foi no instante em que se levantava sem ter entendido ainda a vontade de Deus, como tanto desejava, que soou de novo o sino a dar as seis horas da manhã. Ficou intrigado. “De novo, soou de novo?”. Algo de extraordinário estaria ainda para acontecer?
      De súbito, viu, quase sem acreditar, a estreita faixa de luz da fresta da janela a transformar-se na imagem que o seu coração guardava do próprio Menino Jesus. E como o Menino Jesus lhe sorria, ainda mais lindo do que todas as imagens que a sua memória guardava! E, como estava ali, à sua frente, de carne e osso?! Logo lhe quis sorrir também, cheio de um espanto desmedido…
      Sem o deixar dizer fosse o que fosse, Jesus antecipou-se. Num sussurro cheio de ternura, disse: “Nicolau, és um coração com tesouros de amor dentro de ti. Observei como te foi terrível ver aquela criança a chorar! Ela tem fome e não tem roupa como tu tiveste! Como eu gostava que levasses a todas as crianças pobres que choram de  fome e de falta de agasalhos, os bens de que dispões no teu bispado. Como eu gostava que lhes pusesses em suas casas o que comprarias com essas riquezas precisamente no Dia do meu Natal!”. “Que vozinha pura a dizer tais coisas e coisas tão lindas! Sim, tudo darei, como pedes, meu divino Jesus! E como gosto de o fazer!”, respondeu Nicolau, entusiasmado.
      Ali estava o Menino-Deus, tão perto dele, no seu próprio quarto, a dizer-lhe as mais lindas palavras que já escutara! Como podia Ele, como podia, dar-lhe tal honra?! Tremia, os olhos muito abertos, as faces vermelhas de ansiedade, mas cheio de uma alegria nunca experimentada. De repente, a imagem do Menino escondeu-se na luz ténue da janela. Então, Nicolau deixou de o ver. Tudo ficou como antes no seu quarto. Pelo contrário, na sua alma nada ficou como era.
     O Menino Jesus ficou a sorrir no coração feliz de Nicolau, tal como sorria na hora imensa do seu Natal ao agradecer os presentes que os pastores da Judeia e os magos vindos da Arábia e da Babilónia lhe levavam (os cestinhos com mel, figos e uvas, as roupinhas de púrpura com rendas e bordados, o incenso, o ouro e a mirra). Como essa lembrança lhe ficara gravada! E como esta proposta do Menino-Deus a ele dirigida, poderia, dentro dos séculos futuros, ser continuada por aqueles que O seguissem, a Ele, o Deus já não escondido, mas a revelar-se…
      Poucos instantes depois da divina aparição, o bispo Nicolau reconhecia no Menino Jesus que acabava de lhe aparecer, a criança que chorava naquela rua por onde passara à tardinha, antes de recolher ao Paço episcopal. A criança inconsolável era o Menino Jesus, era Ele mesmo! E estivera ali, a pedir-lhe, a ele, o serviço que Nicolau mais alegria teria em fazer.
      Sabia agora que apesar de velho iria fazer a coisa mais bela da sua vida: dar todas as riquezas do Paço episcopal às crianças.  Então, começou a pensar como o podia fazer sem que as crianças pudessem descobrir que era ele que lhes levava os agasalhos, os doces, e tantas outras coisas que nunca tinham provado? Tudo começaria com a distribuição de presentes às crianças pobres da sua cidade (onde fora escolhido bispo por um acaso Providencial, havia vários anos). Contudo, temia ser reconhecido como autor daquela ideia divina. Isso, não podia ser. Então, congeminou todo o dia como o iria fazer, sem que o povo desconfiasse dele. Ninguém devia saber que não era o próprio Deus-Menino a dar os presentes.


      De repente, Nicolau pensou que o melhor seria mascarar-se com uma das suas vestes vermelhas e pôr umas muito, muito longas barbas brancas. Ninguém o reconheceria, estava certo. Mas mesmo assim… Todo o cuidado era pouco. Para evitar ser descoberta a sua identidade, devia esconder-se melhor.
      Porque não fazê-lo de noite, subindo ele próprio aos baixos telhados das casinhas dos pobres com um longo e velho saco que, em parte, o encobriria? Se alguém o visse, pensou Nicolau, só podia perguntar: “Quem será? quem será? só pode ser ladrão… fujamos depressa”.
      Pelas chaminés das casinhas das crianças pobres, na véspera de Natal, pela noite dentro, deixaria escorregar, pela primeira vez, as prendinhas de Jesus, não dele! E “o Menino Jesus” estaria, pela primeira vez, mascarado de velho de barbas vestido de vermelho, naquele, mais do que nunca, Santo Natal.


      Na manhã seguinte, no Dia de Natal, as crianças abririam os embrulhos e veriam, com a alegria a transbordar dos seus corações, coisas com que tinham sempre sonhado e tão poucas vezes provado! A pobreza fora mais forte que os seus apetites e as suas extraordinárias fantasias.

Natal de 2012

Teresa Ferrer Passos


      (1) Este conto inspira-se na figura do Pai Natal que o bispo Nicolau teria inventado para construir o verdadeiro Natal das crianças pobres. De um modo sagrado e puro, teria nascido a lenda dessa figura excêntrica e controversa, ainda viva nos nossos dias, que se chama o Pai Natal. Trata-se de uma figura mitológica a que se prendem as crianças para lhe pedirem prendas. A sociedade de consumo apropriou-se deste símbolo cativante para todos comprarem mais coisas, até desnecessárias. O Pai Natal é agora um ícone da sociedade da abundância. Mas quando Nicolau, escondido dos homens, como o próprio Deus, construiu este mascarado Menino-Jesus, estava longe desta evolução dessacralizada, tantas vezes longe de Deus e dos próprios homens.
(2) São Nicolau (Pai Natal, Papai Noel ou Sant(o)a Claus) nasceu, no século III, em Mira (Turquia) e morreu em Bari (Itália) já no século IV, em 342 (6 de Dezembro). À sua morte já era considerado santo. Participou, com posições polémicas, no Concílio de Niceia (325). Com fama de taumaturgo, patrono das crianças e dos pobres, foi e é ainda muito venerado nos países do Leste da Europa. É o primeiro santo da Igreja (Católica, Ortodoxa e Copta) a preocupar-se com a educação e a moral das crianças e de suas mães.








UM  SANTO  NATAL 2012

EM BUSCA DA PAZ E DA ALEGRIA! 


ENTRE RAMOS DE AZEVINHO, VAMOS CONSTRUIR


DE NOVO A ESPERANÇA...




sexta-feira, 30 de novembro de 2012

No sinal vermelho



Os loucos passam todos do lado de fora do conforto
Parecem parados e contudo passam
Alguns esborracham as caras contra os vidros
Do lado de fora criam caretas de cristal
Sob a chuva fina que os afaga
E lhes embacia os olhos e a alma

O fumo do escape não os afugenta
Passam
São minhas criaturas
Bem como o fim de tarde e a luz dos eléctricos de outrora
E passa na passadeira uma poesia
De braço dado com um génio louco
Tão louco como os outros loucos que aqui passam
Apenas um pouco menos genial

E no fumo do cigarro
O seu último cigarro
Há as fagulhas dos eléctricos de outrora
Gemendo nos carris
Empurrando o pesado fim de tarde
Até que fosse noite e regressasse cada louco a sua casa
Se alguma casa pudessem ter os loucos
Obrigados a passar nas passadeiras
Condenados a voltar ao nada
Quando o semáforo voltasse a ficar verde

29/11/2012

Fernando Henrique de Passos

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Na minha língua, viajo no mar


"Uma tempestade", pintura de Antonio Francesco Peruzzini


NA MINHA LÍNGUA, VIAJO NO MAR**


Perdido e sem sentido.
Mas nosso, o mar.
À sua beira, nos areais, Tejo adentro,
crepita nos ares um cheiro a perda,
a desconcerto, a rompimento.
O povo pobre, disperso ou em uníssono,
grita dentro de si um arraial cheio de mares
descobertos e em ruínas.
Ninguém troca palavras de esperança,
um desespero que toca as raias do inferno
avança.
E os pobres não podem ser dispensados
de contribuir para pagar a dívida do estado,
que não teve norte e foi injusto na governação.
Metam-se na barca e rompam novos mares,
disse o primeiro-Ministro. Os cofres estão vazios.
Os pobres, ao ouvirem isto, responderam:
O mar é a nossa língua cheia de naufrágios,
de caravelas e de Adamastores medonhos.
Não teremos medo, largaremos pelo salgado,
deixaremos este estado corrompido,
com tanta insensatez e loucura.
Depois, ainda o primeiro-ministro repetiu: Não, não temam
as saudades da natal terra. Rumem ao mar.
Aí está a salvação. Depois do temporal, regressem.
Portugal vai renascer.
Os pobres responderam: Iremos!
Levaremos o mar imenso da nossa língua.
E no mar da nossa língua em que viveremos
não se perderá do nome de Portugal,
mesmo sendo nós pobres,
sacrificados de impostos
por governos que nos defraudaram.
No mar, enfim, teremos paz.
O mar é do povo que o atravessou
no Século grande de Quatrocentos.
O mar que nos levou a outros mundos.
Esse mesmo mar será ainda nosso,
como o foi de Vieira, de Pombal ou de Pessoa.
O mar nos abraçará com as suas infinitas ondas
e nos abrirá as portas do mundo,
que nós escrevemos em língua lusa.
Nessa língua lusa a escrever-se,
a exaltar-se e a dobrar os novos
e não menos difíceis Cabos das Tormentas.
Ainda e sempre voltaremos, disse o povo.


27 de Novembro de 2012/18 de Março de 2015

                              Teresa Ferrer Passos

** Foi publicada a 1ª versão deste texto no Blogue Harmonia do Mundo em 27/11/2012). Esta 2ª versão substituiu-a e é datada de 18/3/2015.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

O centro do lado de fora fica do lado de dentro


Entro no centro de mim,
Tacteio o escuro.
Não sei porque vim
Nem sei exactamente o que procuro.

O vulto da noite espreita da varanda
O vulto das estrelas na latada.
Vejo um relógio que não anda.
Vejo uma ampulheta estilhaçada.

Espalhada pelo chão pressinto a areia
Formando um rosto de criança.
Não sei como é que o vento revolteia
Se o tempo suspendeu a sua dança.

Para lá da abóbada celeste,
Fora do palco e do cenário,
Dom Quixote por desfastio investe
Contra o fantasma de um deus imaginário.

E eu, no centro da noite milenar,
Contemplo o meu rosto antepassado
E procuro um sorriso atrás do esgar
Do cavaleiro descentrado.

19/11/2012

Fernando Henrique de Passos

domingo, 25 de novembro de 2012

Unidade


Sou o prato de ameixas que levo na mão,
A luz da geladeira,
O figo que caiu no chão,
O pingo na torneira.

(A luz macia da manhã de Agosto
Dissolve as formas da cozinha;
Uma vassoura cansada faz de encosto
A esta preguiça que finge não ser minha.)

Sou duas gotas de mel sobre a toalha,
A sombra e luz da persiana,
A ventoinha que não trabalha,
O gelo no refresco de banana.

13/8/2012

Fernando Henrique de Passos

sábado, 24 de novembro de 2012

Um tiro na luz

Um tiro na luz
Giz chupado pela ardósia
Cintilações absorvidas pelo vácuo
Sóis que se despenham nos buracos negros
Pesadelos devorando versos
Cabelos louros a escorrerem sombra
Olhos azuis tornados em basalto

A bala dura
O aço frio da arma
O fumo é alcatrão
Que se cola às rosas e aos lírios
E onde a nudez dos pés fica colada

Céu cinzento
Nuvens baixas
Trovoada

Até que da raiva de um relâmpago
Ressurge a luz de novo

3/6/2012

Fernando Henrique de Passos

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Apartamento em Lisboa


Uma praia veio aqui desaguar:

As areias, as águas, os rochedos,
O cheiro espumarento que sopra sobre o mar,
Naufrágios, piratas, monstros e sereias:

Todos os medos:

Rochedos e águas e areias,
A incerta e esponjosa substância
Que é o nevoeiro correndo pelas veias;
Aos nossos pés
Um torvelinho entrelaçado com a ânsia,
A lista das ondas e marés,
O sal colado à boca e às narinas,
O fundo escuro e acre das cavernas,
As medusas demasiado femininas,
Rasgões nos braços e nas pernas,
Sol aos golfões,
Arrastando cofres e jóias e dobrões
E os destroços antigos de velhas caravelas:

Tudo me entrou pelas janelas
Quando pegava na caneta
E procurava o frasco da tinta violeta
E o papel se entornou sobre o soalho
E das gavetas da mesa de trabalho
Saíram caranguejos
Enrolados em medusas e desejos
E as cores absurdas do sol unido ao mar
Misturavam o gelo do azul com a febre do vermelho a delirar…

Parei e respirei o cheiro a iodo:

E nessa altura possuí o mundo todo.

13/5/2012

Fernando Henrique de Passos