quarta-feira, 17 de abril de 2024

VISÃO PARCA 

na transparência dos silêncios abrem-se
anéis de fumo a perturbarem-me a visão do tempo.
Perco-me a pouco e pouco das horas.
Não descubro o que se eleva ou se transmite.
A minha alma alheia-se na hora derradeira.
No espaço vejo um místico abismo.
Não sei sequer quem é.
À distância vislumbro trilhos impossíveis de atravessar.
Rumos pedregosos parecem esconder-me um rio
de flamejantes águas. Afinal desavindas com o mundo. 
Martelam o fundo de cada grito que escuto.
Inóspito lugar. Ruídos temerosos. Luzes apagadas.
O desconcerto da vida é uma sombra.
Aqui está a verdade que descortino.
Num instante. 
Só um relevo na planície ainda me mostra o mar.
Porquê?

17/Abril/2024

                                       Teresa Ferrer Passos

quarta-feira, 10 de abril de 2024

NAS MÃOS ESCREVO

nas mãos escrevo a poesia dos meus dias
envolvidos em sonho e chuva e sol  
e a derreter um secreto mel de rosmaninho.

nas mãos escrevo as iras largas a arrasar os mansos
e incapazes de abrir as suas para escrever
com as portas bem abertas escancaradas

nas mãos escrevo sem alicerces nem muros fortes
como se o abandono fosse a minha casa
o ninho por onde passam os viajantes perdidos e sem bússola.

nas mãos escrevo sob o peso dos gritos desavindos
que me perturbam e agitam e desfazem o futuro
a naufragar em socalcos de marés sem rumo

nas mãos escrevo as linhas incertas de cada dia
como se fossem capazes de demover o tempo
e de um outro tempo fazer nascer

nas mãos escrevo a incoerência de quem quer a liberdade
                                                                            [só para si
e acende palavras inclementes ululantes
que condenam aquele que se levanta com uma voz diferente

porque a liberdade de discordar ainda não morreu
nas mãos escrevo 

10/4/2024
                                               Teresa Ferrer Passos

sexta-feira, 22 de março de 2024

DOSSIER PÁSCOA/2024

 

CORDEIRO PASCAL, pintura de Josefa de Óbidos
 (datação incerta entre1660 e1670)

 CHRISTO

 

 « Minha mãe, quem é aquelle
Pregado n´aquella cruz?
- Aquelle, filho, é Jesus...
É a santa imagem d'elle!

«E quem é Jesus? - É Deus!
«E quem é Deus? -Quem nos cria,
Quem nos manda a luz do dia
E fez a terra e os céos;

E veio ensinar à gente
Que todos somos irmãos,
E devemos dar as mãos
Uns aos outros irmãmente:

Todo amor, todo bondade!
«E morreu? - para mostrar
Que a gente pela Verdade
Se deve deixar matar.


João de Deus, Campo de Flores, Lisboa, Imprensa Nacional, 1893 (com Observações Prévias de Theophilo Braga), pág. 373.
 

  ***

SENHOR


Senhor se da tua pura justiça
Nascem os monstros que em minha roda eu vejo
É porque alguém te venceu ou desviou
Em não sei que penumbra os teus caminhos

Foram talvez os anjos revoltados.
Muito tempo antes de eu ter vindo
Já se tinha a tua obra dividido

E em vão eu busco a tua face antiga
És sempre um deus que nunca tem um rosto

Por muito que eu te chame e te persiga.
                                   
                                                    *

O TEU ROSTO

É o teu rosto ainda que eu procuro
Através do terror e da distância
Para a reconstrução de um mundo puro.


Sophia de Mello Breyner Andresen, "Mar Novo" in Obra Poética, II, págs.46 e 47.


***

DOMINGO DE RAMOS

«Uma grande multidão, cortava ramos das árvores e espalhavam-nos pelo chão. E todos diziam em altos brados: ‘Bendito seja aquele que vem em nome do Senhor! Hossana nas alturas!’»
Mt 21, 8-9

 

Um jumento aproximou-se. Tocou as suas mãos.
O lombo pôs a jeito. Jesus subiu.
Em alvoroço, o animal seguia à frente
da correria dos jovens descalços,
das crianças em algazarra e dos velhos ávidos
da atenção daquele profeta emergente que olhavam
como o Messias, o prometido, havia tantos séculos.
O profeta Zacarias o tinha propagado.
Com que pormenores o previra!
O povo sábio não o esquecera ainda.
E a esperança estava viva nele
como no curso de um rio vasto a penetrar no mar.
As palavras sábias que o tinham anunciado
tiniam na sua memória a dourar-se
de futuro, um futuro aberto à vida,
toda a renascer,
sem sombra de guerras,
sem derrotas amargas.
E a paz vaticinada no tempo Antigo,
seria a lei maior que já não se romperia,
não se ia perder nunca,
como antes acontecia.

24/3/2024
Teresa Ferrer Passos

***

TEOLOGIA PASCAL EXPERIMENTAL

Rezo com o corpo.

Como é que se reza com o corpo?

Reza-se com o corpo desligando as tensões do corpo.
Abrindo uma clareira de paz
nesse perpétuo campo de batalha que é o tempo
devido às múltiplas incertezas do futuro.

(E a irmã da irmã paz é a irmã mansidão,
capaz de suportar a tensão de um coração contrito
até a transformar em mel.)

Rezar com o corpo é anular a base fisiológica do medo
abrindo espaço para o amor.

Rezar com o corpo é seguir a estratégia
de aniquilar as causas suprimindo os seus efeitos:

Aniquilas o medo suprimindo a tensão nervosa
e suprimes a vontade própria aniquilando o medo,
pois o teu medo é o efeito da tua vontade
e a tua tensão é o efeito do teu medo.

Então já estás a caminho da Páscoa!

Deixa Jesus Cristo entrar por essa clareira de paz
que tu mesmo abriste no teu coração.

Deixa a vontade de Jesus Cristo substituir
a vontade própria que tu próprio suprimiste.

Deixa o mel correr pelas tuas veias como novo sangue.

Deixa-te governar pela doçura do amor.

Nessa altura o teu eu egoísta terá morrido
e tu terás ressuscitado como irmão do Cristo.

E tudo terá acontecido
por teres aprendido a rezar com o teu corpo.

30 de Março de 2024 (Sábado de Aleluia)


Fernando Henrique de Passos


***


BOA PÁSCOA!

FLORES NA NOSSA MESA

NA MEMÓRIA DE JESUS RESSUSCITADO


sábado, 2 de março de 2024








APRESENTAÇÃO pelo poeta Manuel Neto dos Santos do livro MEMÓRIA DE PAZ de autoria de Teresa Ferrer Passos no Salâo Paroquial, em Alcantarilha, Silves (24/2/2024)


«A poesia sublima cada coisa, vinculando-a, particularmente com todo o restante (…). A poesia é a gestação da harmoniosa sociedade, a família universal, o belo lar do universo. (…) Cada indivíduo vive em tudo e tudo vive em si. Devido à poesia, surge a máxima empatia e mútua reciprocidade, a mais íntima comunidade.» [versão de tradução livre M.N.S.]

                                                               NOVALIS, Schriften, pág. 533.



Creio na urgência das palavras que nos salvam, nesse lugar de antanho, a que mais fortes regressamos: à aldeia singela, sendo ela todo o universo. Assim a poesia de Teresa Ferrer Passos.

Um livro de poemas é sempre o refulgir de um farol, no seu “prismático” reflexo, como se cada um de nós fosse frágil embarcação no mar alteroso da vida.

Frágeis, doridos, reflexos de ausência mas, agora e sempre, renitentes como essa fortaleza do sonho.

Sonho renascido do desespero pela travessia existencial. Desafio perene que se impõe às almas genuínas. Deixar falar o coração dado que à sua “linguagem” outra não existe que não seja tudo o que não podemos silenciar ("Novíssimo Sol", Memória de Paz, pag.48).

Na escrita de Teresa Ferrer Passos existe esse lugar de plácido apaziguamento, sagrado e infinito como “a mística equação que se ergue devagar”. Estamos perante um gesto invocatório, buscando dar sentido à “infinitude” da “Matéria Escura ” (Memória de Paz, pág. 50).

Mas também, e essencialmente, de evocação se compõe esta obra; regresso natural de lembranças e imagens, dando corpo a um livro de poemas. Ilustremos, pois, de forma muito clara esta incursão por dentro dos “universos” vividos, agora resgatados e recorrentes sobre o papel. “Santa Mãe” (Memória de Paz, p.58).

Sem sombra de dúvida, estamos perante um corolário de emoções onde a ressurreição da Esperança é recorrente como se pode constatar em “A vida não passará” (Memória de Paz, pág. 26).

Profundamente tocante o domínio da síntese para partilhar convosco toda a imensidão do amor maternal. “Caminho” (Memória de Paz, pág. 57).

                      MANUEL NETO DOS SANTOS

 


FOTOS: No Salão Paroquial de Alcantarilha, Teresa Ferrer Passos com o seu Apresentador, o poeta Manuel Neto dos Santos, natural de Alcantarilha (24 de Fevereiro de 2024).

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

RIMAS PARA UMA VOZ

Um Altar da Igreja de Nossa Senhora da Conceição
em Alcantarilha, Silves

  

                          No 30º aniversário do nosso casamento


O tempo é célere como a luz,
pensava naquele tempo ázimo.
Como se não tivesse tempo para esperar
pelo dia mais alto do calendário,
olhava o relógio e via as badaladas perdidas,
vagas, a desfazerem-se sem fim.
O dia esperado revestia-me de uma espera
ardente e luminosa.
Mas as horas avançavam lentas,
enquanto o dia tombava incerto.
Só o crepúsculo começou a serenar-me
como se a luz ofuscada desesperasse da espera.
As trevas caíam enfim. Era noite e eu não
sabia se haveria manhã. A dúvida sucumbia-me.
Sentia-me sem espaço perante um tempo estranho.
Tudo era confuso. As ideias um turbilhão.
Uma maré obscura vi dentro de mim, a escuridão
escorregava sobre a hora única.
Adormeci com um indefinido cansaço.
A manhã renasceu-me. Inesperada. O sol crescia dourado
como nunca antes. Uma voz soava além.
Suave, demasiado suave. Redentora.
Plena de luz atravessou-me. A minha escuridão
esvaziava-se de sentido.
Então, caminhei. Iluminada
pela tua imagem. Ao altar subi.

19 de Fevereiro de 2024

                                 Teresa Ferrer Passos

***

CARTA POÉTICA (um pequeno excerto)
que o Fernando me ofereceu esta manhã:

«(...) Uma poesia só para ti. Uma poesia tão vasta como um oceano sem fim que navegador algum pudesse cruzar de uma lado ao outro, de Leste para Oeste, ou de Norte para Sul, um oceano novo, um oceano de um género desconhecido, um oceano sem margens nem pontos cardeais, um oceano polvilhado por inúmeras ilhas, e todas elas seriam a Ilha do Amor, do Nosso Amor. (...)»

19/2/2024

Fernando 


quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

4ª FEIRA DE CINZAS



DIZ-nos o cardeal Tolentino de Mendonça na sua PÁGINA DO FACEBOOK (14/2/2024): "O que eu tenho de fazer é uma coisa Pequena, não é uma coisa grande; o que eu tenho de fazer é uma coisa Pessoal, não é uma coisa para os outros; e o que eu tenho de fazer é uma coisa Possível. Deus não me pede o impossível, Deus pede-me coisas possíveis".

Muitas coisas pequenas, muito pequenas mesmo, juntas, podem construir um campo imenso para o critério de Deus.
14/Fevereiro/2024
T.F.P.

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2024

COMEMORANDO OS 35 ANOS DA LIVRARIA UNI VERSO

Que o João Carlos continue com toda a firmeza a senda que empreendeu nos anos 80! Que estes 35 anos de perseverança numa meta plena de sageza possam alongar-se por muitos e bem aventurados anos! Que na Livraria UNI VERSO ressurgam as iniciativas que o João Carlos tão bem e em tão boas horas levou a cabo nos anos 90! Que o combatente incansável, apesar das tão cansativas procelas, renasça a cada hora deste mundo agreste!
Um abraço sempre amigo,
Teresa Ferrer Passos/Teresa Bernardino

domingo, 14 de janeiro de 2024

UM POEMA: «Seiva doce»

 



SEIVA DOCE

                         

                                    Ao Fernando, no dia dos seus anos


na névoa inebriante de uma só dúvida,
ergo-me no dia nascente,
amortecido pela noite.
A custo, despertam cinzas que se espalham
no ar desta manhã de inverno.
A tiritar de um frio estranho,
sem paredes protetoras, procuro o calor,
mesmo nas tuas mãos geladas de incerteza.
Nelas, instalo o sopro de uma brisa cálida
vinda até o meu coração. Vinda talvez de uma onda larga,
talvez de um mar sem fim.
Desço até ao dentro da tua vontade. E perco-me
de mim. Só tu estás aqui, reparo.
Escrevo nas tuas folhas de cor esmeralda.
E penetro, enfim, na sua seiva doce.

 

14 de Janeiro de 2024

                                    Teresa Ferrer Passos

sexta-feira, 12 de janeiro de 2024

UMA MÃE DOLOROSA, PIETÁ

Uma MÃE a quem foi anunciado um Filho por obra e graça do Espírito Santo, no circunstancial momento do tempo de Noivado com José e com quantos outros momentos futuros ainda mais dolorosos, como ver a longa tortura a que foi sujeito seu próprio filho, a que se seguiu a sua morte na cruz do suplício para resgatar o mal praticado por muitos.

12/1/2024

T.F.P.

 BÊNÇÃO PAPAL AOS CASAIS HOMOSSEXUAIS

A gravidade deste documento papal está em abençoar os homossexuais, na qualidade de casais homossexuais, e não como pessoas individuais. Toda a humanidade pode ser abençoada individualmente, não tendo a ver essa bênção com os atos de prevaricação contrários à doutrina de Cristo.
T.F.P.
10/1/2024

segunda-feira, 8 de janeiro de 2024

A chuva são gotas de cristal à procura da eternidade que o frio lhe transmite. Como me disse o Fernando Henrique, a eternidade é a paragem do tempo.

8/1/2024
T.F.P.

quinta-feira, 28 de dezembro de 2023

De terra se fazem poemas, essas sementes cheias de uma origem que fertiliza.
T.F.P.

sexta-feira, 22 de dezembro de 2023

DOSSIER NATAL/2023

 


O PRIMEIRO PRESÉPIO:

«Este ano celebramos os 800 anos do Presépio criado pela primeira vez por São Francisco de Assis. Como é bom construir o presépio em família e recriar a atmosfera que São Francisco quis experimentar: a pobreza em que nasceu o Menino Jesus, a humildade e confiança de Maria e de José, o amor e a paz que emanavam da gruta de Belém».

Frei Fabrizio in "Pica-Pau" jornal online, Santo António dos Olivais, 2/12/2023

*
«Quando Jesus nasceu, o primeiro anúncio dado aos homens foi a paz. Quando Jesus ressuscitou, ao aparecer aos discípulos, cumprimentava-os desejando a paz. Quer dizer, o Filho de Deus bem sabe que a paz é o bem maior, que só Deus nos pode dar e que não é como a paz que o mundo dá!»

Frei Severino Centomo, «Deixo-vos a paz…não vo-la dou como o mundo a dá» in Revista «Mensageiro de Santo António», 6/Junho/2023.

*

BILHETINHO DE NATAL



Querido Menino Jesus

Tenho de te pedir desculpa pois este ano, ao contrário do meu hábito, não vou ter uma poesia pronta para te oferecer no dia do teu Aniversário. O meu trabalho solitário tirou-me toda a disponibilidade para a poesia, e neste caso isso significa que me tirou toda a disponibilidade para ti, o que é muito mais grave. Avalias como é grande a minha ingratidão? Não, não avalias, eu sei. Porque tu és bom, porque tu és a própria Bondade, e já me tinhas perdoado antes mesmo de eu saber que este ano não escreveria a habitual poesia para te oferecer. Neste momento já nem te lembrarias disso se não se desse o caso de ser eu recordar-to. Mas eu, sim, eu avalio a minha própria ingratidão, por saber que te devo tudo, e que tudo o que te oferecesse seria pouco para saldar tão grande dívida. Devo-te esta vida e a promessa da vida que há de vir e a esperança de a poder vir a alcançar, para o que me basta seguir a tua lição tão simples: pensar menos em mim e mais nos outros. Mas que digo eu? A tua lição é simples, na verdade, mas nem assim eu consigo segui-la, e neste Natal deixei-me outra vez fechar sobre mim próprio. Mas agora reparo: que importância pode ter para ti o meu fechamento quando vês o mundo inteiro em convulsões de morte?! Por falar nisso, falta muito para o teu regresso à Terra, que nos prometeste há quase dois mil anos? Cada vez nos fazes mais falta, meu Menino! Este planeta está preso por um fio! Mas não te quero cansar mais. Bem hajas pela tua primeira vinda, cujo alento ainda hoje se faz sentir, ajudando-nos a conseguir ir sempre em frente. Quanto à segunda vinda, a definitiva, só tu e o teu Pai sabem qual a altura propícia para ela.

Aceita um grande abraço deste teu amigo,

 Fernando Henrique de Passos


*
 
ALTAR DE UM OUTRO HERODES?


«Então Herodes ficou muito irado e mandou matar
todos os meninos de Belém e de todo o seu território,
da idade de dois anos para baixo»
                                                                  Mateus 2,17

 

O tempo não passa nas sílabas das crianças
de Gaza. Hoje. Porque o tempo parou em Herodes
da Judeia. Ontem. Parou nos seus sofismas de morte.
Hoje ou ontem, Herodes dá ordem para matar
como se fosse uma ordem para viver. O tempo passa
assim igual à crueldade, à indiferença.
E os Herodes ressurgem com outros nomes
num tempo a recusar estar para além dos Herodes
e de todos os seus seguidores.
Os novos Herodes ignoram a vida das crianças.
Imperturbáveis no delírio em que vivem,
nem sonham como se enganam.
Não veem os braços alquebrados
das mães sufocadas de lágrimas, nem
o choro dos pequeninos os alerta.
E o tempo novo vai ressuscitando
os Herodes que duvidam da própria morte
ao alcançarem os seus intuitos miseráveis.
São os dias carregados de impureza.
Os dias ensombrados e sem luz.
Os dias erguidos no altíssimo altar
de um outro Herodes ainda
mais ávido de sangue.
Mesmo que seja sangue
de inocentes a traçar
a escuridão na luz.
  
Natal de 2023

                Teresa Ferrer Passos

*
 
TRAÇOS DE UMA MENSAGEM PARA O MÊS DE NATAL:

«Olho as guerras se instalarem na história e nos comportamentos humanos. Olho o desespero pelo sucesso e pelo poder. Olho a ânsia por uma beleza e poesia qualquer. Olho a banalização da violência e, contraditoriamente, do amor. Olho. O que vejo? Vejo pessoas que não conseguem encontrar o seu lugar de ser. Que não conseguem superar a dor das suas feridas narcísicas. Pessoas que seguem às avessas, sem sonho ou esperança. Sem libido voltada para a criação de uma vida boa e justa para todos. (...) O eu, centro do mundo, que pode manipular e artificializar os afetos. Perdido em si mesmo e de si mesmo segue, destruindo a possibilidade de recuperação e sentido. No mundo das grandes redes de comunicação e inteligência artificial, as montanhas são obstáculo. Perigo. Alerta.»

Joana Cavalcanti, "O lugar de ver: onde habita a mensagem" in jornal «Mensageiro de Santo António» (último número a ser publicado em Portugal), 13 de Dezembro de 2023 (online).

*
Presépio Tradicional Algarvio
in Exposição, Alcantarilha

ONDE ESTÁ A PAZ?

"Ouviu-se uma voz em Ramá,
uma lamentação e um grande pranto:
É Raquel que chora os seus filhos
e não quer ser consolada,
porque já não existem"»
Mateus 2, 18

Que se construa um Presépio com toda a beleza da poesia irradiante e simples da imagem única do Menino Jesus, no meio de todos aqueles que O escutam e seguem para que se olhe e veja uma nova humanidade, uma humanidade em que o espírito puro das crianças seja respeitado e não espezinhado.
Que as famílias as escutem com o amor no coração, que lhes ofereçam a paz e que nelas a inscrevam.
Que não as façam conhecer a guerra nas suas próprias casas.
Que o desvairo não alastre às outras casas onde a doce união nem sequer suspeita do poder da crueldade.
Que os governos dos poderosos não desliguem as mãos que ligam os seres pacíficos.
Que haja justiça e não ódio nos exércitos desenfreados e ignaros.
Que as suas armas não se ergam a cada hora sobre as indefesas gentes que carregam seus filhos, numa fuga sem norte nem sul, sem leste nem ocidente.
Que as lágrimas não apaguem a luz ainda acesa de uma fuga sem horizonte, sem além, sem a suavidade da paz.
Que não continuemos a ver cair no azul do céu o manto da cinza e do negrume ateado pelos insensatos.
20/12/2023
Teresa Ferrer Passos



segunda-feira, 11 de dezembro de 2023

Manuel Neto dos Santos na Apresentação de «Livro dos Regressos», em Memória de sua mãe.
 

UM POEMA DO «LIVRO DOS REGRESSOS» de MANUEL NETO DOS SANTOS (Arandis Editora, 2023, p.199) apresentado pelo autor, em Alcantarilha (Dia de Nossa Senhora da Conceição):

«Uma nota (distante) acorda em mim
A voz de minha mãe, o timbre e o tom,
A melodia com que sigo e com
O qual oscilam flores pelo jardim.
E tudo é pois, em minha alma, assim
O sumo adocicado; fresco e bom,
A natureza inteira pelo som
Da eternidade em nós, que não tem fim.
Uma nota (distante) na ramada
Do arvoredo, a paredes-meias
Com a aldeia onde nasci; Alcantarilha.
Uma nota (distante); o barco e a quilha»

quinta-feira, 30 de novembro de 2023



MEMÓRIA do 1º DE  DEZEMBRO DE 1640


«A legitimidade plena de exercer a soberania real cabia, enfim, a D. João IV. E, todos, com unânime parecer, assentaram que o espanhol "não guardava ao reino seus foros, liberdades e privilégios. Não acudia à defensão e recuperação de suas conquistas que eram tomadas pelos inimigos de Castela. Vexava os povos com tributos insuportáveis, sem serem impostos em Cortes. Gastava as rendas comuns do reino. Vendia por dinheiro os ofícios de justiça e fazenda.(...)"»

Teresa Ferrer Passos, «A Restauração de 1640 e D. Antão de Almada», Universitária Editora, Lisboa, 1999, p.28.

Teresa Ferrer Passos na sua casa,
 em 1999









terça-feira, 28 de novembro de 2023

OS INOCENTES

À memória dos milhares de crianças recentemente mortas
pelo exército de Israel na Faixa de Gaza 


Vejo pela janela indiscreta do escritório,
as folhas secas dos plátanos
a tremer ainda na árvore. Estão demasiado
assustadas com o vento que as faz esvoaçar para a distância.
Vejo a sua amargura, vejo a sua incredulidade.
E lembro-me das crianças inquietas,
das crianças a perderem-se do pão e do abrigo certo da casa,
das crianças nascidas para a vida na Faixa de Gaza.
Como as folhas secas não entendem o vento
que as dispersa e esfacela,
as crianças não sabem que deixaram
de poder rir e de ser amadas.
A morte espreitou-as e ali ficou no seu corpo pequenino,
nas suas faces empalidecidas por uma morte
que as envolveu sem pedir perdão.
As folhas secas são velhas. Mas as crianças não.
São rebentos prontos a florir
que deixaram de crescer com o dourado do sol,
que perderam os braços das mães e o olhar dos pais.
Enregelando nos escombros empilhados,
entre entulhos de betão e
caldeiras fumegantes acesas pelo ódio.
Dormem agora, as crianças, como folhas secas.
Nada as alimenta e uma solidão
exasperante deixa-as nas trevas.
O nada habita-as e as crianças não o conhecem. 
Como as folhas secas as crianças tombaram
sob os golpes impiedosos de uma estranha vontade.
Humana, diz-se. Ou não será antes
de uma vontade, apenas e só, desumana?

28/11/2023

                                         Teresa Ferrer Passos

domingo, 19 de novembro de 2023

DIA MUNDIAL DA POBREZA



O POBRE


Ignorado, espezinhado.
Sem voz nem alma, vegeta nas ruas como erva ruim.
Incomoda quem o vê recôndito como um impossível.
Passa com uma contida existência,
arrastando-se como se não fosse alguém.
Na era da abundância, abundância guardada
ciosamente só para alguns aventurados
avaros demais, sem margem de consciência
e sem um olhar largo capaz de chegar ao outro.
Miserável, passa escasso. Não pede. Não sabe pedir.
E vive? Vive das sobras vazadas na tigela quase vazia.
É indigente, dizem.
E a sua voz nada entoa. Sente por dentro somente.
A cada hora. Ninguém escuta o fracasso.
Ele é apenas um silêncio vago a vogar na indiferença, 
um silêncio de infinito e de opaco nevoeiro.

Teresa Ferrer Passos

quarta-feira, 15 de novembro de 2023

CAMINHAR AINDA

Flor de um cato do deserto


A vida é uma aventura difícil de trilhar. Cada trilho é uma novidade. E quem não se sente insatisfeito com os escolhos do percurso, com o inesperado, se todas as estradas por onde se segue são sempre estradas por onde nunca caminhámos? Resta-nos caminhar enquanto o podemos fazer. Caminhar ainda, é já uma vitória.

15/11/2023
                                                                                        Teresa Ferrer Passos

sábado, 11 de novembro de 2023

A beleza do amor, mesmo na brevidade.                      

*

A mãe, a raiz de que não podemos abdicar, porque foi dela que irrompemos um dia.

T.F.P.
*

«A arte como salvação e cura para o nosso projeto de humanidade. Alguém disse que a arte existe porque a vida não basta. E não basta! Somos demasiadamente vastos. Complexos.» diz-nos Joana Cavalcanti. E é essa complexidade, na verdade, que projeta a nossa humanidade para uma singularidade única, pensamos nós.
                                                                                               T.F.P.